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sábado, 10 de setembro de 2016

"TÃO FALANDO QUE É QUE NEM EM 64, SERÁ?"

Esse foi meu amigo do interior ao telefone. Ele mora no interior do estado de São Paulo, um lugar onde a realidade sofre a ação de um filtro. Ele já viajou o mundo inteiro, morou em outro país, mas ainda é paulista do interior. Como eu, de outra cidade, mas é tudo a mesma coisa.

Meus pais, que moram em outra cidade, assinam a Veja e a Folha e assistem Jornal Nacional e Fantástico. Minha mãe assiste novelas, meu pai assiste Datena e futebol. Tem roteador wi-fi em casa pra visitantes. Minha mãe tem um tablet que... fica numa gaveta. 


Quando eu morei lá, até 1983, até a cor não chegava. Meu pai comprou uma TV em cores nos anos 70, uma das primeiras da cidade, mas a cor não acompanhou esse arroubo de modernidade dele. Demorou um tempo, a TV em cores só "pegando" preto e branco.


 O telefone era de manivela. Pedia-se a uma telefonista para fazer a ligação. Tinha um clube para os pretos frequentarem, porque eles não eram admitidos no clube dos brancos. Tinha também uma zona do meretrício, um conjunto de casas específicas onde as putas podiam ganhar a vida sem serem contraventoras. 


Comentários e piadas homofóbicas, machistas, racistas, misóginas e fascistas eram corriqueiras e NORMAL. Exemplo, uma que me martela há décadas a memória: "o que é, o qué? Uma preto, andando de bicicleta, com um real na mão, indo ao Bradesco? Resposta: nada! Preto não é gente, bicicleta não é meio de transporte, um real não é dinheiro e Bradesco não é banco". 

Como eu devo ser anormal ou fora do padrão, eu demorei pra entender a piada, ou ver algum sentido nela. Na verdade, eu fiz uma ligeira adaptação inserindo o real. A versão que eu ouvi originalmente incluía outra moeda, cruzeiro, cruzado, não importa, a ideia era desqualificar seja qual fosse a moeda do Brasil. Isso é SER paulista. 

Até hoje, depois do Obama na presidência dos Estados Unidos e do patrocínio do Bradesco ao Jornal Nacional por anos a fio (para romper o estigmatismo de ter nascido caipira, em Marília, interior de SP, como Banco Brasileiro de Descontos, um banco do povão, uma espécie de Casas Bahia dos bancos), essa gente ainda tem dificuldade para aceitar a bicicleta. Muitos têm dificuldade de aceitar serem brasileiros e querem a separação (isso vem desde 1640, quando Amador Bueno foi aclamado Rei de São Paulo).

SER paulista também é adotar como heróis e símbolos, mercenários que depredaram fauna e flora do Brasil, mataram índios, escravizaram outros, estupraram as índias, saquearam aldeias, não respeitavam fronteiras e tratados e faziam qualquer coisa por ouro e pedras preciosas: os Bandeirantes, que dão nome ao palácio do Governo Paulista, rodovia, avenida, rede de televisão e rádio etc.

Lá na minha cidade, em toda eleição, dois lados se digladiam, não importando quais sejam as siglas partidárias nacionais.  O lado que já foi ARENA e PDS, virou PT e hoje é PSB. O lado que já foi MDB / PMDB e PTB e virou PSDB, hoje é PSD. Não tem coerência nenhuma. Não tem nada a ver com o Brasil. E são as mesmas pessoas ou seus descendentes. 
Não deve ser muito diferente nas outras cidades todas.

A bem da verdade, hoje em dia, algumas siglas nacionais também não têm nada a ver com o planeta Terra. Só como exemplo, PSB é socialista aqui ou na China? 

Mas é um mistério como eu, morando lá, dei meu primeiro voto da vida, em 1978, a Audálio Dantas e Fernando Morais. Tudo bem, nem eu sou perfeito: também votei, naquela eleição, para o Fernando Henrique Cardoso para o Senado, pois me pareceu melhor que a opção Quércia. 


Eu ouvia Tarancón, O Terço, Casa das Máquinas e Rita Lee, além de Beatles, Suzi Quatro, David Bowie e Deep Purple, enquanto meus vizinhos se deliciavam com uma dupla de iniciantes, Chitãozinho e Xororó, trazida pelo prefeito, vindos do norte do Paraná, para tocarem no coreto da praça do Dia do Aniversário da cidade. Nada contra, no entanto. O verso "um fio de cabelo no meu paletó" é antológico!



Mas voltando ao meu amigo que me ligou e fez aquela pergunta, eu respondi: não, é muito pior, já é 1968! 

E como não deu pra explicar em detalhes o que eu quis dizer com minha resposta, resolvi escrever isto aqui, depois eu passo pra ele.

Em 1964 os golpistas de sempre (mídia, FIESP, bancos, CIA, digo, Embaixada dos EUA, igreja - a "Marcha com Deus pela Família") usaram a classe média para encher as ruas "contra a corrupção e o perigo dos comunistas" e os fizeram acreditar que era uma "revolução". 

Os jornais publicaram em suas primeiras páginas que uma tal "democracia" estava sendo restabelecida. Escreveram isso nos livros da história. Alteraram a data do golpe pra não virar piada: foi no primeiro de abril, mas "oficializaram" o dia anterior, 31 de março, pra não ser "comemorado" no Dia da Mentira. Fizeram um trabalho bem feito, meus pais chamam aquilo de revolução até hoje. Imagine o que os russos, os chineses ou cubanos ririam disso. Não existe revolução de direita abiguinho!

Em 1968, com o endurecimento, corte de direitos, censura nas artes, decretação do Ato Institucional número 5, cassação de mandatos de parlamentares, prefeitos e governadores, fechamento do Congresso, nomeação de interventores para os governos dos estados e das capitais, relatos de prisões, torturas, desaparecimentos e mortes... uma parte da classe média aaaahhcordou. Era uma ditadura. Foram para a rua de novo, agora pra protestar e tomar paulada da polícia.

Nós hoje, em 2016, já estamos nesse ponto. Não foi preciso 4 anos para uma parte da classe média perceber que foi feita de besta de novo. Foi quase simultâneo. Certo é que uma parte da classe média nem se percebe, não sabe de sua própria existência, se achar rica, capitalista, tem investimentos em CDB e faz compras online a prazo no cartão.



Mas a parte da classe média em que a ficha caiu, já está protestando nas ruas e contratando advogados pra tirar os filhos da cadeia, já percebeu que se ferrou. Já tem gente cega, só falta aparecer morte. O golpe, desta vez, contra a corrupção e os bolivarianos (upgrade dos comunistas), foi vendido como "impeachment". Tanto contra Jango quanto contra Dilma, inventaram qualquer coisa para tirar quem tinha políticas sociais para o povão e tomar o poder para inverter as prioridades e voltar a roubar dos pobres para dar pros muito ricos.

Mas, porque eu falei pro meu amigo ao telefone que "é pior"? Em 1964 os militares foram chamados pelos golpistas (é errado dizer que foi um golpe militar, não foi - foi um golpe da elite civil de sempre, que conclamou os milicos pra fazer o trabalho sujo por eles) que tiveram que fechar o Congresso, cassar políticos e censurar a imprensa (ainda havia jornalistas, mesmo que os patrões fossem os mesmos de hoje). A maioria do Judiciário era legalista, juízes, promotores e advogados faziam oposição ao descumprimento das leis, à ruptura democrática.

Hoje, não foi preciso nada disso. O Congresso tá no golpe, o Judiciário tá no golpe, a OAB apoia a ruptura democrática, o Mino Carta não é mais o diretor da Veja e, por exemplo, no lugar da coluna do Lourenço Diaféria, na Folha de S. Paulo, tem a do Kim Katanguiri. Até a monarquia, ex família real, apoia o golpe contra a República. 

Falta pudor e sobra escárnio. É um vexame internacional. O Brasil, que queria ser moderno, estando entre as 10 maiores economias do planeta e sediando grandes eventos (jogos panamericanos, copa, olimpíadas e paralimpíadas) mostrou que é muito atrasado. Quase todas as suas instituições falharam em relação ao principal componente de uma nação: o povo. Eu escrevi "quase" porque a Igreja Católica condenou o golpe (Ênio Mainardi, do Antagonista e da Veja, inclusive, chamou o Papa de idiota). Desta vez, foram alguns líderes evangélicos que enganaram o povo, principalmente a Assembléia de Deus Madureira, do Eduardo Cunha.
"Estou, com meu compa, Ricardo, visitando uns parentes dele, em Estocolmo. Não é gente mediana, pelo contrário. Em três ocasiões, na inevitável conversa sobre o golpe de Estado no Brasil, as pessoas começavam rindo, dizendo ser impossível acreditar no fato de Dilma ter sido tirada por permitir e garantir investigação de corrupção no País e substituída pelos corruptos investigados. 
Eles dizem: "Mas o Congresso sabe que ela não cometeu crime algum não sabe? Até nós aqu
i sabemos!" Digo: Dois terços da Câmara e do Senado são formados por corruptos. "Ah....Mas e o povo, sabe disso e nada faz?" Não. 81 % do povo pesquisado não sabe porque Dilma saiu."Mas, como não sabe? Não votaram nela? Ela não foi eleita?"
Cansada, termino de tentar explicar esse jogo imundo, começa tudo de novo: "Mas, e a Justiça? Não há uma Suprema Corte no Brasil?" De novo, eu me esfalfo para explicar, mais esse "detalhe " do golpe! "Mas como assim, o que está acontecendo e possível` ? "E a imprensa, não denuncia?" Novas explicações inúteis. 

Explicar, então, que MiShell Fora Temer, o golpista, é inelegível,
é delatado numa operação da PF contra a corrupção e é informante da CIA ...
Quando falo, entre outras coisas, sobre a entrega do pré-sal - que eles não sabiam que existia - o estupor é geral. Ao final e ao cabo, as pessoas, estarrecidas, fingem acreditar que o que está acontecendo no Brasil é real.
E mudam de assunto quando veem que não consigo mais segurar o choro. Revolta, indignação, inconformismo e, não tem jeito, vou reconhecer: vergonha. Vergonha de ter em meu país, gente tão desclassificada, tão sem caráter, tão desonesta, tão sem vergonha, tão predadora, tão cara de pau, tão safada e tão impune no poder!"
Por: Maria Lúcia de Moura Iwanow

Mas o "pior" ainda não é isso. Os militares do outro golpe, embora do jeito tosco deles, eram patriotas, pensavam no nosso futuro. Mesmo tendo sido apoiados pela CIA, digo, Embaixada do EUA (da mesma maneira que o golpe de 2016), eles amavam o Brasil, ufanistas, queriam que o País crescesse. Eles deram início à Embraer, à Engesa, o Brasil exportava blindados Urutus para o Iraque, fizeram Itaipu, a Transamazônica (e mataram um monte de índios, destruíram a fauna e a flora e a floresta tomou a picada de volta - o jeito tosco deles) porque entendiam que era essencial para o desenvolvimento do país, usinas nucleares (outra tosquice) e tinham uma geopolítica de aproximação com os hermanos vizinhos (afinal, precisavam disso para funcionar a Operação Condor no Cone Sul, que vitimou o Jango, o JK e a Zuzu Angel, todos no mesmo ano de 1976).

Hoje, os golpistas detestam o Brasil. Temer e Serra já eram infiltrados antes. Eram informantes da CIA, ops, Embaixada Americana. Mesmo antes do Glenn Greenwald escancarar para o Fantástico, em 2011, a informação do Edward Snowden de que a NSA (National Security Agency), para a qual trabalhava, espionava os emails e telefones do Ministério das Minas e Energia, da Petrobrás e da presidenta (e também da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, da Christina Kirshner, do Evo Morales etc), Serra e Temer já faziam relatórios sobre a conjuntura política e econômica brasileira para os yankees. Serra prometeu cumprir sua missão de destruir a Petrobrás e entregar o petróleo brasileiro para a Chevron e a Shell. Está tudo em documentos vazados pelo Wikileaks do Julian Assange. A primeira coisa que o governo golpista fez foi romper com os hermanos e sabotar todas as iniciativas de independência geopolítica que Lula e Dilma haviam traçado para inserir o Brasil no mundo, com os BRICS e o banco de desenvolvimento, fundado em Fortaleza, em 2014, que faria concorrência com FMI e Banco Mundial e, no futuro, lançaria moeda de conversão alternativa ao dólar.

Na essência, a missão do tio Sam era eliminar essa "rebelião mundial". Ah, e pegar o petróleo (como sempre fizeram no Iraque, Líbia etc). 

Por tudo isso, é muito pior. Os golpistas de hoje visam o futuro deles mesmos, as contas na Suíça, as empresas de fachada, de lavagem, no Panamá e no Caribe, os apartamentos em Nova York, em Paris, casas em Miami. O povo que se lasque. Conquistas sociais e direitos trabalhistas de décadas são eliminados. O Brasil atrasa vários séculos. Com a ajuda da classe média que bateu panelas e vestiu camisas da CBF feito zumbis sob a voz de comando do Jornal Nacional. 

De positivo, surgem verbetes para os dicionaristas desta época: midiotas, traíras, coxinhas, mortadelas, black blocks (que são infiltrados APENAS nas manifestações anti golpe para provocarem violência e darem boas imagens para a imprensa bombardear os midiotas e fazer seu papel de sabujos).


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