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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

RESPOSTAS

Uma pequena caminhada com meu filho de 6 anos, em férias escolares, até o banco, na avenida Paulista. 

"Pai, como se formam os flocos de neve?" Bom, as gotas de água que estão nas nuvens lááá em cima, quando a temperatura está fria, zero grau, ao invés de caírem como chuva, congelam e caem como flocos de neve. 

"Pai, por que cada floco de neve é diferente um do outro?" Onde você viu essa informação? "Num programa de TV". Bom, eu nunca vi dois flocos de neve bem de perto, mas imagino que seja como as folhas das árvores: podem ser parecidas, mas uma não é exatamente igual à outra. Também as nossas impressões digitais: com tanta gente no mundo, não existem dois dedos iguais.

Nesse instante, na subida da ladeira, um senhor me pergunta onde tem um cartório. Eu respondo que se ele continuar descendo a rua vai encontrar um do lado direito da calçada. Ele me pergunta se é longe. Eu respondo que talvez uns três quarteirões. Ele me pergunta onde fica o shopping. Eu respondo que o shopping fica no quarteirão anterior ao cartório, na calçada da direita.

Chegando no platô da Paulista: "Pai, o que é isto?", apontando para uns arcos amarelos presos ao chão. Eu respondo: é para prender bicicletas. Veja lá: a pessoa chega de bicicleta e a acorrenta nesses arcos para ninguém roubar enquanto a pessoa entra em um desses prédios.

"Pai, o que é aquele triângulo vermelho?", apontando para o objeto colocado na rua a um metro do carro parado com o pisca-alerta ligado, próximo à esquina, na rua Ministro Rocha Azevedo. Respondo: aquele triângulo, todo carro é obrigado a ter. O carro do papai tem e o carro da mamãe também. Quando o carro pára de funcionar, quando o carro "quebra", o motorista tem que colocar esse triângulo no chão perto do carro para avisar às outras pessoas. Principalmente porque ali, onde ele está parado, tem uma placa no poste com a letra "E" com um "x" vermelho por cima. Significa que é proibido um carro parar ali. Pode vir um guarda e multar. A multa é como um castigo, um castigo que custa dinheiro: tem que pagar para sair do castigo. O triângulo no chão avisa o guarda que o carro não está parado ali por fazer coisa errada, mas porque enguiçou, então o guarda não castiga.

Chegando ao banco, o número chamado na tela da sala de espera, diante dos caixas, é "meia-meia". "Pai, por que lá está escrito 66 e você falou meia-meia?" É uma maneira de falar. Você conhece número 12? Então, o número 12 também é chamado de "uma dúzia". Você tem 12 bananas, também pode falar uma dúzia de bananas. "Se eu tiver 12 balas eu posso falar uma dúzia de balas?" Pode. Pode falar uma dúzia de amigos, uma dúzia de bonecos. Então, metade de uma dúzia é meia-dúzia, que é 6. Por isso o 6 é chamado de meia. Você pode falar 6 ou meia, tanto faz.

"Pai, o que vem depois do 299? Eu só sei contar até 299". Vem o 300. E depois do 399? "Não sei." Pense: qua... "Quatrocentos?" Isso. E depois do 499? "Quinhentos?" É, e assim por diante, tem o 599, o 699, o 799, o 899. O que vem depois do 999? "Aí eu não sei." Mil. "Nossa, é muito!"

Na descida da ladeira um homem, andando, me pergunta onde fica a rua Itapeva. Eu respondi que não era perto dali, o mais prático seria ele subir até a Paulista, que era plana, e continuar andando para a esquerda. Ele me perguntou se ele virasse a próxima à esquerda se não dava caminho. Eu respondi que não, ele sairia na rua Peixoto Gomide que, subindo, iria até a Paulista. A rua Itapeva ficava do outro lado da avenida 9 de Julho, depois do MASP. Era mais prático ele ir até a Paulista e passar por cima da avenida 9 de Julho e, depois do MASP, ele viraria à esquerda. O homem me perguntou o que era o MASP. Eu respondi: é o Museu de Artes de São Paulo, é um caixotão vermelho na Paulista, não tem erro.

Toda essa caminhada não levou mais que vinte minutos. Eu dou informação na rua o tempo todo, em todo lugar que eu vou. No mínimo, informo as horas, sempre alguém pergunta. Já orientei até policial militar perdido sobre onde era a rua Santa Ifigênia. No supermercado, me pedem opinião sobre cortes de carne, ração de gatos, já dei minha opinião sobre suco de laranja em inglês, para um estrangeiro. Ou eu tenho cara de quem sabe tudo ou de alguém em quem se pode confiar.

Recentemente, recebi a notícia, no Facebook, que uma pessoa que eu conhecia, faleceu. Era madrugada e eu comecei a chorar. Minha mulher, ao meu lado na cama, perguntou o que havia acontecido. Eu falei "morreu uma cara". Ela me peguntou se era alguém com quem eu tinha muita amizade. Bom, eu respondi que era alguém que eu conheci há 31 anos e que eu não via há, pelo menos, 28. Nem deu tempo de dizer que o tinha adicionado aos amigos do Face este ano, ela já estava dormindo de novo. Nisso, uma mensagem da Vivian no Face: "você está triste?" Eu disse: "tô, como você sabia?" Ela mora lá na Serra da Cantareira, longe à beça. Ela disse: "eu estava dormindo e acordei com uma sensação de que você estava triste. Conta aí. Se eu não responder nada é porque eu dormi de novo".

Não deu outra. Eu contei tudo e...cri cri cri cri. Ela só voltou ao papo no dia seguinte. Mas eu vou contar pra você, leitor. Tente não dormir. Se dormir, continue lendo depois. Please.

Em 1984 eu estudava Jornalismo em Ribeirão Preto, numa faculdade particular. Minha namorada estudava Letras na Universidade Estadual de Londrina. Eu ouvi falar que, de vez em quando, surgia na UEL oferta de vagas para transferência de outras faculdades. Minha namorada disse: "mas é muito raro". Mal fiquei o primeiro semestre daquele ano em Ribeirão Preto, surgiu vaga de transferência para o curso de Jornalismo em Londrina, duas únicas vagas. Minha namorada disse: "vai ser difícil uma ser sua". Eu me candidatei. Resultado: me deram a vaga. 

Então, em julho daquele ano (ambos estávamos de férias entre São José do Rio Preto, Nova Granada e Votuporanga) eu peguei um ônibus para ir à Londrina, pela primeira vez, para acertar tudo para começar as aulas em agosto. E perguntei para ela como era o nome daquela escola de inglês onde ela estudava lá (além do curso de Letras), quem sabe eu arrumava um emprego pra custear minha vida. E ela disse: "Ah, mas é a escola mais imponente, mais rigorosa da cidade, impossível você, sem ser conhecido, arrumar emprego lá".

Já dormiu?

Chegando na rodoviária de Londrina, comprei um jornal e procurei nos classificados algum anúncio de pensão. Circulei com a caneta algumas opções. Peguei um ônibus urbano e fui na universidade primeiro, acertar o que precisasse para começar no mês seguinte. Tinha até refeitório estudantil por um valor irrisório. Aí peguei o ônibus de volta pra "cidade" ( o campus é afastado) e fui ver uma das pensões que marquei. Não fui em outra. Já gostei da primeira. Teria um quarto com duas camas e um banheiro. Eu iria compartilhar com mais alguém. Tudo bem. Saindo da pensão é que reparei que, do outro lado da rua estava a tal escola de inglês chique onde estudava minha namorada. Eu ia morar bem em frente. Era coisa mandada. Eu não podia deixar de tentar. O máximo que podia acontecer era eu levar um não.

Atravessei a rua, entrei por uma porta imponente, dois leões vermelhos de lado a lado, tinha uma moça atrás de um balcão. Me identifiquei e perguntei se, por acaso, não poderia preencher uma ficha de candidato a um emprego de professor de inglês. Ela me deu um papel e eu comecei a escrever sobre mim, ali mesmo, de pé, no balcão. Quando terminei, levantei o papel para entregar para ela, mas ela disse: "vá até aquele escritório, naquela porta atrás de você, e entregue para um homem lá". Enquanto eu estava de pé no balcão escrevendo na ficha, um homem me viu de lá daquela porta atrás de mim e fez sinal para a moça para já me mandar entrar lá quando eu terminasse de escrever.

Eu entrei no escritório. Muito elegante, decorado com fotos de viagens pelo mundo todo, dos donos da escola. O homem, sentado atrás da escrivaninha, pegou o papel que eu escrevi e começamos a conversar, tudo em português. Eu disse que, coincidentemente ia morar bem do outro lado da rua, que eu morei na Califórnia, fiz intercâmbio, dei aula de inglês em Rio Preto, em Ribeirão, filho de mãe professora de inglês etc e tal. Ele pegou o horário de aulas e já foi me atribuindo várias aulas que eu daria no período noturno. Eu de boca aberta, lá pelas tantas, perguntei: estamos falando o tempo todo em português, como é que você tem certeza que eu tenho condições de dar essas aulas aí?

Resposta: "você não ousaria ter entrado aqui se não tivesse".

E foi esse o cara que morreu. Parece que ele estava fazendo tratamento contra um câncer. Eu o adicionei como amigo no Face outro dia sem saber de nada. Depois daquele primeiro encontro, virei professor lá por algum tempo e ainda inventei um jornalzinho interno (que soube que continuou sendo feito por um ex colega do curso de Jornalismo da UEL, depois que fui embora para São Paulo). Naquele dia, peguei o ônibus de volta para São José do Rio Preto com tudo resolvido em poucas horas: faculdade, alimentação, onde morar e onde trabalhar, que, segundo minha namorada, seria impossível.

E a resposta dele nunca me saiu da cabeça. Eu tenho cara de quem sabe das coisas ou de quem se pode confiar.

Mas eu mesmo, vivo em dúvida, sem confiança. Tanto é que já casei três vezes. Já mudei de cidades. Já mudei de profissão. Solteiro? Casado? Caso outra vez? Advogado? Cartunista? Jornalista? Professor de inglês? Lojista? Guia de excursão? Professor de faculdade? Apresentador de TV? Cartunista de novo? Professor de inglês de novo? Toco violão ou okulele? 

Quem é esse cara no espelho? O que ele quer comigo? Responda! Que horas são? Dormiu?


ÊI, CADÊ O CARDÁPIO?