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segunda-feira, 12 de março de 2012

EU VOU MORRER!

É uma certeza que eu tenho. Outras duas certezas: tenho que pagar para viver e os gatos sempre caem de pé. Todo o resto é variável. 


Desde que o Kiko entrou em nossas vidas, reavivando a última certeza que eu já tinha, as outras foram realçadas. Há dois meses eu tenho mais um filho, com carteirinha de vacinação (!), com manhas, dengos e traquinagens, que depende de mim para ser alimentado e entretido dentro do espaço de um apartamento no centro de São Paulo. 
O Kiko, como todos os gatos rajados (dizem que o tigrado é a cor original dos gatos em geral, antes de serem domesticados pelos egípcios, há 5 mil anos), tem um "m" desenhado na testa (aprendi tudo isso outro dia). Gato também é cultura.

Eu tento compensar com mordomia, ração e brinquedos a falta da mãe dele (Kika) e todo o quintal, com árvores, que ele tinha à disposição na casa do meu pai (o outro Ralfo), em Nova Granada. Eu tento, também, conviver com minha consciência que me cobra pelo sequestro de um menor. E me conforta a ideia de que a Kika espera meu pai chegar do trabalho todo dia e o segue pela casa, enquanto o Kiko está aqui no meu colo neste instante, como se fosse para ser assim.


Eu convivi com gatos minha vida toda, mas esta á a primeira vez, em mais de meio século de existência, que eu tenho um. Lá, em Nova Granada, os gatos é que eram meus donos, vinham pelos muros e telhados e tomavam posse de mim, como a Kika, hoje, é a atual dona do meu pai. Meu pai nunca deu banho nela, nunca aparou as unhas, nunca levou ao veterinário. Ele apenas joga ração e chama pelo nome para diferenciar do Tenente, gato que também bate ponto lá (e ganhou até uma "caminha" de espuma em cima de uma cadeira na parte coberta do quintal) e é o avô do Kiko.
Isto é um lar. Note que o Buzz Lightyear também está desmaiado, coitado, depois de brincar o dia inteiro.

Faltava o Kiko para compor o lar, inclusive para despertar a rivalidade no meu outro filho e a compaixão da minha filha de 11 anos. Mas nada sai de graça. Tudo tem um custo. Além da ração e do veterinário, dos brinquedos, roupas, escola e festas de aniversário, todo começo de ano o bolso fura: além do condomínio, ainda tem o IPTU, o IPVA, o DPVAT, mais a renovação do seguro do Jorge. São contas, contas e mais contas. Mesmo que eu não tivesse um lar para ajudar a sustentar, eu sozinho já me daria muita despesa. Tenho de trabalhar direto para pagar minha vida.
O Jorge é ligado na CBN até na placa.
Com o suor das minhas mãos (já que só escrevo e desenho) eu, orgulhosamente, ajudo a movimentar a roda da economia de um País que se tornou a sexta potência do mundo, ultrapassando o Reino Unido. Se eu continuar meu esforço, pagando todos os impostos, sustentando a presidente, o vice, os 70 deputados paulistas, todos os ministros, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, os Correios, a Petrobrás, o governador e o vice, todos os secretários paulistas, os 94 deputados estaduais, o prefeito da cidade de São Paulo, o vice, todos os vereadores e secretários, dizem que o Brasil ultrapassará a França no final do ano. Yes! Quero dizer, oui! Eu tenho que viver para ver esse dia.


E aí, além da saúde pública de primeira e escolas de destaque na comunidade acadêmica internacional, teremos segurança pública, ruas e estradas em condições de rodarmos com o recém-lançado modelo da Lamborghini, o Aventador, lá na Itália (que nós já deixamos no chinelo há mais tempo - afinal, o país da bota é membro dos PIIGS, lá embaixo, e nós somos dos poderosos BRICS, no auge). 
O dia chegará, em que eu não precisarei de um utilitário com tração 4x4 para vencer os obstáculos todos os dias e alagamentos em dias de chuva em São Paulo. Vou poder rodar com um Lamborghini Aventador a poucos centímetros do chão, sem arrebentar a suspensão em buracos ou valetas. Vou poder estacionar um veículo sem capota em qualquer lugar, e ele ainda estará lá, inteiro, quando eu voltar da ópera. 


As estradas brasileiras serão como as autobahns alemãs, em que os veículos podem ser acionados no limite dos seus velocímetros. De casa para uma das faculdades que dou aula à noite, em Cotia, vai ser rapidinho. O único ponto negativo, talvez, será a falta do pára-brisa no Aventador. Vou engolir muito inseto e outros bichos maiores na Raposo Tavares. Talvez dê para eu pedir um desconto para a Lamborghini pelo inconveniente ou, pelo menos, um capacete virá como acessório de série. 


Acho que já vou deixar encomendado. Não custa nada. Sonhar não mata.