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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

XING LING

Nesta época do ano, há 23 anos, na Vila Carrão, em São Paulo, uma adolescente, vizinha da minha namorada, me estendeu a mão e disse: olha o que eu ganhei de Natal, um Pierre Cardin! Eu achei meio improvável que o Pierre coubesse na mãozinha da menina ou que ele pudesse ser adquirido e presenteado para alguém, então fiquei procurando alguma outra coisa que justificasse o apelido. Foi quando minha namorada me cutucou e susurrou: "o relógio". Ah, tá, lindo seu Pierre Cardin, parabéns! 


Isso nunca saiu (é óbvio) da minha cabeca. O objeto não se chamava mais relógio. Onde será que tinha sido fabricado o Pierre Cardin da menina? Será que era Francês? 


Eu nunca fui ligado em marcas, eu nunca falei: olha a minha Timberland, que é a marca da minha botina, que eu troco a cada dois anos, há 6 anos, sempre o mesmo modelo. Eu chamo de botina. O meu computador, eu chamo de meu computador, não de meu Sony Vaio (que substituiu um Acer, que substituiu um Positivo, que pararam de funcinar assim que fizeram o primeiro aniversário e cujo conserto era economicamente inviável).


No entanto, desde que comprei meu novo celular, ando, orgulhosamente exibindo-o como "olha meu xing ling"! Nao é celular, é xing ling. Eu tenho consciência que paguei muito barato, que não tem garantia, que não tem para quem eu reclamar de algum defeito (e tem) e, mesmo que tivesse, não entenderiam minha língua e que, mais dia, menos dia, vai parar de funcionar. Essas são, exatamente, as características que definem algum produto xing ling. Vou exibi-lo enquanto posso, enquanto funciona. 
A maior prova de que a dificuldade de comunicação é de um autêntico produto xing ling, é o manual que o acompanha, totalmente em português ininteligível, como, por exemplo, o tópico "bateria": " No início, a bateria tem energia elétrica cerca de 50%, ele pode ser usado imediatamente após rasgar aberto. Ex-use três vezes acima da electricidade e imperatriz completamente novo..." Ou a explicação do funcionamento das teclas 5, 6 e 7, em uma tabela: "Multi-giro acidente vascular cerebral em rabo-de giro, visto como o diagrama em anexo"


Na dúvida, ando mantendo distância das teclas 5, 6 e 7, e não deixo meu filho manusear meu xing ling sem supervisão paterna. É bom saber, no entanto, que ele pode ser útil como mecanismo de proteção anti-violência: se algum dia eu me vir no meio de um assalto, que Zeus me livre, eu preciso me lembrar de usar meu xing ling para me defender e ameaçar: cuidado comigo, e só eu apertar as teclas 5 ou 6 ou 7 e vocês não queiram nem saber!


É impressionante como o Chinês conseguiu desperdiçar tanto tempo e material dessa maneira. O manual é grossinho, gastou papel de qualidade razoável, capa colorida, mostrando o celular oval do Homem-Aranha em vários ângulos (como eu poderia resistir) e é só isso que se aproveita. Quase nada do que está escrito faz o menor sentido. O Google foi proibido na China, então não podemos culpá-lo da tradução.


Sempre tenho um pé atrás com produtos xing ling, por causa de tudo isso aí. Acho que todo mundo tem. Mas a gente acaba comprando uma coisa ou outra, porque são irresistíveis ou porque somos desmiolados. Mas não arrisco comprar um sensacional automóvel xing ling, com design italiano, mesmo que tenha certificado de fabricação na cidade onde meu amigo Adel é vice-prefeito, Jacareí. Será que quebra logo? Será que vai me deixar na mão? Será que tem valor de revenda? Será eu estaria sentado em cima de uma bomba ambulante? Será que o manual está escrito no mesmo português do meu xing ling?
Entretanto, como sou incorrigível, acabo de comprar um instrumento musical "made in China"(simplesmente porque não encontrei outro - em breve vai ser tudo assim, até rapadura vai vir de lá): trata-se de um ukulele, uma espécie de cavaquinho havaiano. Faz tempo que observo o som dessa violinha, em filmes do Elvis ou no desenho da Lillo & Stich. 


O que me fez me apaixonar pelo instrumento, mesmo, foi eu ter descoberto, tardiamente, o Israel Kamakawiwo'ole, havaiano falecido em 1997 como consequência da obesidade mórbida. Fantástico. Eu quero aprender a fazer aquilo. 
Depois disso, pesquisei para diminuir minha ignorância, e descobri que o ukulele é derivado do cavaquinho, levado para o Hawaii por marinheiros portugueses no seculo XIX. Os havaianos mantiveram as mesmas quatro cordas, mas mudaram a afinação para sol - do - mi - la, com as duas cordas da ponta, agudas, e as duas do meio, graves. Muitas celebridades já foram vistas exibindo um ukulele: George Harrison, Eddie Vedder, Jack Johnson, Jason Mraz e Marisa Monte. 


Faz só três dias que estou com meu ukulele, fuçando até tocar alguma coisa. A primeira dificuldade foi afinar. Já saiu "Parabéns a Voce" e "Jingle Bells". Tomara que até o final das férias, em fevereiro de 2012, eu possa honrar a memória do IZ com um pequeno trecho, pelo menos, de "Somewhere Over the Rainbow".


Sempre que alguém pergunta: "está aprendendo a tocar cavaquinho?" Se eu resolvo explicar que não é um cavaquinho, que é um ukulele, a pessoa pergunta: "uku-o-que?" Então deixa pra lá, antes que desande para uma conversa chula, que seja cavaquinho havaiano. Afinal, os marinheiros portugueses de dois séculos atrás eram da Ilha Madeira, terra dos meus antepassados maternos. 


Com o ukulele na mão, tentando imitar, muito, mas muito longe, o Kamakawiwo'ole, o xing ling sou eu, não o instrumento.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ESQUEMA para CONTROLAR

Preto. Preto. Prata. Prata. Prata. Preto. Cinza. Branco. Branco. Branco. Prata. Preto. Cinza. Preto. Este é o resumo das cores dos carros que passam em qualquer rua de São Paulo, em qualquer dia e horário. É um tédio. Quando aparece, muito raramente, um vermelho ou, mais raramente ainda, um azul ou amarelo, é show. 


Essa monotonia visual também poderia ser tópico de vistoria dos veículos, afinal, quando os turistas dizem que São Paulo é uma cidade cinza, o caráter monocromático da frota em circulação deve contribuir para a fama de sisudez. 


Outra ideia, para inspirar a inspeção veicular, seria o gênero musical do som que o carro costuma emitir pela cidade. É muito barulho.Tem poluição sonora da grossa sendo cometida nos congestionamentos, e não são só as buzinas, mas é o sambão, o pagodão, o axé, o sertanojo, o rock pauleira, o funk, o rap, as escandalosas orquestras sinfônicas... ops, misturei por um instante com os congestionamentos na Áustria e na Bélgica. Para ganhar o selinho de OK, o condutor do veículo teria de provar que o sistema de som do carro só executa Ray Coniff, Glenn Miller e similares.


Estou tendo esses devaneios (será?) depois que soube que um casal de amigos meus teve a moto reprovada na inspeção veicular 2011 por causa de 0,25 decibel (esse é o singular de decibéis?). Antes de ouvir essa história, eu nem sabia que a Controlar também aferia poluição sonora...e com essa precisão de casas decimais. Deve ter um maestro da filarmônica trabalhando para eles como inspetor com um diapasão na mão. 


Pois meus amigos levaram a motocicleta na concessionária da Honda para pedir uma rigorosa adequação aos padrões rígidos da Cidade de São Paulo. Resposta da Honda: não há o que fazer, o escapamento está perfeito, como sai de fábrica. Então meus amigos levaram esse argumento à Controlar e esperaram, esperaram, esperaram até 15 dias, quase esgotando o prazo para a segunda inspeção a que tinham direito, e nada de uma resposta. Ligaram para a Controlar para pedir uma solução e então foram agendados para uma nova inspeção em um posto diferente da primeira. Aí, passou. 


Possivelmente, nesse outro posto, os inspetores têm ouvidos menos sensíveis. Deve ser onde são aprovados os caminhões de coleta de lixo, as ambulâncias e os helicópteros.


Um outro absurdo que chegou ao meu conhecimento, protagonizado pela Ridicolar, foi o de uma senhora, quando, depois do inspetor solicitar que ela destravasse o capô do veículo, ele simplesmente olhou para o motor e disse: "aquele cabo está fora do lugar" e reprovou o carro, diante de uma tiazinha atônita que, o máximo que entende de cabo é o do guarda-chuva ou da faca da cozinha. A cena foi testemunhada e descrita por um amigo que vinha no carro de trás, que deu sorte e foi aprovado.


Já o meu calvário ainda não acabou e lá se vão dois meses de luta. Primeiro, levei o Jorge (é como um membro da família - tanto é que, para o meu filho de 2 anos, tem o "carro-mamãe", o "carro-vovó", o "carro-vovô" e o Jorge, não tem "carro-papai") ao mecânico no início de outubro e disse: "faça o que precisar para ele passar na inspeção veicular", sem muita preocupação, já que no ano passado, em 2010, ele passou na primeira, sem problema algum.


As pessoas ficam pasmas como um veículo fabricado no Japão em 1995 não tem um único ponto de corrosão na lataria ou embaixo. Eles passam aquele espelhinho embaixo e não tem nada de errado. Existe um fã clube mundial, comunidades no Facebook e no Orkut, e uma página (www.feroza.com.br) com o mapa do Brasil e a localização de todos os proprietários apaixonados desse 4x4 (com reduzida, ar condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos, três ajustes de suspensão, teto solar e teto traseiro removível) no País. Tem fotos de Ferozas na selva da Costa Rica ou da Indonésia, na neve dos Alpes italianos ou dentro d'água nas praias da África do Sul. Ele não enferruja porque o aço do qual foi feito, no Japão, recebeu a adição de zinco na liga.


O Jorge tomando uma "ducha neve" num posto, feliz da vida. É uma judiação a provação que a Ridicolar e o Nunkassabe estão fazendo ele passar.
Aí o mecânico fez lá uma coisa ou outra e apresentou a conta de R$ 245. Paguei a tal da taxa de R$ 61,80 e agendei o dia da inspeção. Fui tranquilo, com orgulho do Jorge. Os inspetores passaram o espelho embaixo procurando ferrugem, nada, colocaram um tapete para ver se pingava óleo, nada, aceleraram, nada, e ligaram a um computador cheio de gráficos e porcentagens. Resultado: reprovado. 


Dos seis quesitos investigados pelo computador, o Jorge reprovou em um: emissão de hidrocarbonetos em marcha lenta. O limite é 700, o Jorge marcou 1.400 em marcha lenta. Se pisasse fundo no acelerador, ele ficava muito abaixo do limite. O inspetor, candidamente, me sugeriu que eu levasse o Jorge a um mecânico (achei o máximo ele não ter sugerido que eu o levasse a uma benzedeira). Foi quando eu mostrei a nota recente do mecânico, só para ele ver que eu tomei minhas precauções, não fui lá de mão abanando. Mas, já estava lascado: tive que voltar ao mecânico, e falei: te vira para resolver o mistério. Ele coçou a cabeça, mexeu daqui, mexeu de lá, trocou cabos de velas e mais não sei o que. A conta: mais R$ 400.


Antes de voltar à Controlar, resolvi conferir numa oficina da Porto Seguro, que tem o computador com o mesmo teste. Fiz uma pré-inspeção veicular lá. Resultado: melhorou, mas ainda não estava bom. A emissão de hidrocarbonetos em marcha lenta baixou para 1.100. O que fazer? Vamos, Jorge, vamos a outro mecânico, uma desconhecido, mas um que já tenha o mesmo teste da Controlar.  


No dia seguinte, o mecânico desconhecido cobra mais R$ 200 e entrega um laudo igual ao da Controlar e ao da máquina da Porto Seguro, com tudo pra lá de bom: emissão de hidrocarbonetos baixou para 355. Maravilha. O resto, continuava bom. Vamos, Jorge, vamos fazer outra inspeção na Controlar.


Lá na Controlar, o mesmo salamaleque de antes: passam o espelhinho por baixo para procurar ferrugem novamente (realmente, em duas semanas pode ter enferrujado, certo?), colocam o tapete para ver se pinga óleo e... os inspetores me chamam para dizer que ele está emitindo uma fumaça azulada e está reprovado. O Jorge não passou sequer no teste do computador para verificar que o defeito apontado anteriormente foi sanado. Arrumaram outro defeito. Um que ninguém viu antes, nem na Descontrolar, nem na Porto Seguro, nem pelos mecânicos, nem na Conchinchina. Pelo menos a fumaça do Jorge é azulada, para contribuir com uma cor que não seja cinza para esta cidade.


Eu reclamei para o inspetor, argumentando que eu levei o Jorge ao mecânico e estava tudo OK, mostrei o laudo. Aí ele, como se fosse um ET, me aconselhou: "seria melhor o próprio mecânico vir passar o carro na inspeção, para ele mesmo ver qual o defeito a ser corrigido". De qual planeta ele saiu? Do planeta Ridicolar? Ele acha que o mecânico de lá da Santa Cecília ou da Aclimação vai fechar as portas da oficina, dispensar os outros clientes, passar o dia no trânsito, para levar o Jorge em um posto da Ridicolar lááááá onde o Judas perdeu as botas? Eu vou pagar o dia de trabalho dele? Quem ensina esse ET a falar abobrinha?


O mesmo carro japonês foi vendido com nomes diferentes dependendo do país: nos EUA ele é conhecido como Rocky, no Europa é Sportrak e na América Latina, Austrália e Nova Zelândia é Feroza.
Estou me sentindo como um peão de um jogo de tabuleiro. Alguém jogou os dados e eu tenho que voltar para a casa um, tudo de novo. Tenho que pagar outra taxa de R$ 61,80 e ir atrás de algum milagre para o Jorge. Talvez eu o leve à Igreja de São Cristóvão. Eu preciso do documento do licenciamento, que já está pago, mas não sai se o Jorge não passar na inspeção. Acho que isso não está Direito.


Esse negócio da inspeção veicular parecia ser uma coisa boa e correta, afinal, eu sou verde. Aplaudi a ideia. No ano passado, fiquei muito orgulhoso do Jorge. Ele levou o selinho do 10 no parabrisa sem problema algum. Mas, como tudo que parece justo no Brasil, acaba infernizando a vida da gente. Lembram da CPMF? Não parecia justo, um dinheiro para melhorar a Saúde? Melhoru a saúde de quem? No início, a ideia parecia boa. Essa Descontrolar é a mesma coisa. Virou um esquema. É só acompanhar as últimas no noticiário. Alguém, alguma hora, iria enxergar. Não se pode enganar a todos todo o tempo.




Culpa do Serra. Never more, Rosé. Ele assinou um documento em cartório que iria cumprir o mandato todo na prefeitura. Não cumpriu o que prometeu. Estrago feito, o Nunkassabe ainda passou na inspeção das urnas e foi reeleito. Existem três explicações para isso, duas empíricas e uma científica: a primeira explicação é o uso da "máquina administrativa" para cavar a reeleição, afinal, funcionário público e suas famílias fazem qualquer coisa para não perder o emprego. A segunda é que o povo se acostuma até com um bode fedorento na sala. Depois de um tempo com ele, se ele for tirado, sentem falta. Chama-se inércia. Agora a explicação científica: síndrome de Estocolmo (as vítimas se apaixonam pelo sequestrador depois de um longo convívio, que não deixa de ser a mesma história do bode no jargão da Psicologia). 


Agora, a Ridicolar quer me extorquir mais dinheiro e (claro) apoia o Nunkassabe (aquele que chamou trabalhadores de "vagabundos" aos berros) na criação de seu novo partido político, com fichas de filiação assinadas pelas mesmas pessoas várias vezes ou pessoas que já morreram ou pessoas que são analfabetas.  Não pode exigir correção quem não pode dar exemplo.


Continue azul, Jorge. Vamos à luta. Você é japonês e não desiste nunca.