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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

XING LING

Nesta época do ano, há 23 anos, na Vila Carrão, em São Paulo, uma adolescente, vizinha da minha namorada, me estendeu a mão e disse: olha o que eu ganhei de Natal, um Pierre Cardin! Eu achei meio improvável que o Pierre coubesse na mãozinha da menina ou que ele pudesse ser adquirido e presenteado para alguém, então fiquei procurando alguma outra coisa que justificasse o apelido. Foi quando minha namorada me cutucou e susurrou: "o relógio". Ah, tá, lindo seu Pierre Cardin, parabéns! 


Isso nunca saiu (é óbvio) da minha cabeca. O objeto não se chamava mais relógio. Onde será que tinha sido fabricado o Pierre Cardin da menina? Será que era Francês? 


Eu nunca fui ligado em marcas, eu nunca falei: olha a minha Timberland, que é a marca da minha botina, que eu troco a cada dois anos, há 6 anos, sempre o mesmo modelo. Eu chamo de botina. O meu computador, eu chamo de meu computador, não de meu Sony Vaio (que substituiu um Acer, que substituiu um Positivo, que pararam de funcinar assim que fizeram o primeiro aniversário e cujo conserto era economicamente inviável).


No entanto, desde que comprei meu novo celular, ando, orgulhosamente exibindo-o como "olha meu xing ling"! Nao é celular, é xing ling. Eu tenho consciência que paguei muito barato, que não tem garantia, que não tem para quem eu reclamar de algum defeito (e tem) e, mesmo que tivesse, não entenderiam minha língua e que, mais dia, menos dia, vai parar de funcionar. Essas são, exatamente, as características que definem algum produto xing ling. Vou exibi-lo enquanto posso, enquanto funciona. 
A maior prova de que a dificuldade de comunicação é de um autêntico produto xing ling, é o manual que o acompanha, totalmente em português ininteligível, como, por exemplo, o tópico "bateria": " No início, a bateria tem energia elétrica cerca de 50%, ele pode ser usado imediatamente após rasgar aberto. Ex-use três vezes acima da electricidade e imperatriz completamente novo..." Ou a explicação do funcionamento das teclas 5, 6 e 7, em uma tabela: "Multi-giro acidente vascular cerebral em rabo-de giro, visto como o diagrama em anexo"


Na dúvida, ando mantendo distância das teclas 5, 6 e 7, e não deixo meu filho manusear meu xing ling sem supervisão paterna. É bom saber, no entanto, que ele pode ser útil como mecanismo de proteção anti-violência: se algum dia eu me vir no meio de um assalto, que Zeus me livre, eu preciso me lembrar de usar meu xing ling para me defender e ameaçar: cuidado comigo, e só eu apertar as teclas 5 ou 6 ou 7 e vocês não queiram nem saber!


É impressionante como o Chinês conseguiu desperdiçar tanto tempo e material dessa maneira. O manual é grossinho, gastou papel de qualidade razoável, capa colorida, mostrando o celular oval do Homem-Aranha em vários ângulos (como eu poderia resistir) e é só isso que se aproveita. Quase nada do que está escrito faz o menor sentido. O Google foi proibido na China, então não podemos culpá-lo da tradução.


Sempre tenho um pé atrás com produtos xing ling, por causa de tudo isso aí. Acho que todo mundo tem. Mas a gente acaba comprando uma coisa ou outra, porque são irresistíveis ou porque somos desmiolados. Mas não arrisco comprar um sensacional automóvel xing ling, com design italiano, mesmo que tenha certificado de fabricação na cidade onde meu amigo Adel é vice-prefeito, Jacareí. Será que quebra logo? Será que vai me deixar na mão? Será que tem valor de revenda? Será eu estaria sentado em cima de uma bomba ambulante? Será que o manual está escrito no mesmo português do meu xing ling?
Entretanto, como sou incorrigível, acabo de comprar um instrumento musical "made in China"(simplesmente porque não encontrei outro - em breve vai ser tudo assim, até rapadura vai vir de lá): trata-se de um ukulele, uma espécie de cavaquinho havaiano. Faz tempo que observo o som dessa violinha, em filmes do Elvis ou no desenho da Lillo & Stich. 


O que me fez me apaixonar pelo instrumento, mesmo, foi eu ter descoberto, tardiamente, o Israel Kamakawiwo'ole, havaiano falecido em 1997 como consequência da obesidade mórbida. Fantástico. Eu quero aprender a fazer aquilo. 
Depois disso, pesquisei para diminuir minha ignorância, e descobri que o ukulele é derivado do cavaquinho, levado para o Hawaii por marinheiros portugueses no seculo XIX. Os havaianos mantiveram as mesmas quatro cordas, mas mudaram a afinação para sol - do - mi - la, com as duas cordas da ponta, agudas, e as duas do meio, graves. Muitas celebridades já foram vistas exibindo um ukulele: George Harrison, Eddie Vedder, Jack Johnson, Jason Mraz e Marisa Monte. 


Faz só três dias que estou com meu ukulele, fuçando até tocar alguma coisa. A primeira dificuldade foi afinar. Já saiu "Parabéns a Voce" e "Jingle Bells". Tomara que até o final das férias, em fevereiro de 2012, eu possa honrar a memória do IZ com um pequeno trecho, pelo menos, de "Somewhere Over the Rainbow".


Sempre que alguém pergunta: "está aprendendo a tocar cavaquinho?" Se eu resolvo explicar que não é um cavaquinho, que é um ukulele, a pessoa pergunta: "uku-o-que?" Então deixa pra lá, antes que desande para uma conversa chula, que seja cavaquinho havaiano. Afinal, os marinheiros portugueses de dois séculos atrás eram da Ilha Madeira, terra dos meus antepassados maternos. 


Com o ukulele na mão, tentando imitar, muito, mas muito longe, o Kamakawiwo'ole, o xing ling sou eu, não o instrumento.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ESQUEMA para CONTROLAR

Preto. Preto. Prata. Prata. Prata. Preto. Cinza. Branco. Branco. Branco. Prata. Preto. Cinza. Preto. Este é o resumo das cores dos carros que passam em qualquer rua de São Paulo, em qualquer dia e horário. É um tédio. Quando aparece, muito raramente, um vermelho ou, mais raramente ainda, um azul ou amarelo, é show. 


Essa monotonia visual também poderia ser tópico de vistoria dos veículos, afinal, quando os turistas dizem que São Paulo é uma cidade cinza, o caráter monocromático da frota em circulação deve contribuir para a fama de sisudez. 


Outra ideia, para inspirar a inspeção veicular, seria o gênero musical do som que o carro costuma emitir pela cidade. É muito barulho.Tem poluição sonora da grossa sendo cometida nos congestionamentos, e não são só as buzinas, mas é o sambão, o pagodão, o axé, o sertanojo, o rock pauleira, o funk, o rap, as escandalosas orquestras sinfônicas... ops, misturei por um instante com os congestionamentos na Áustria e na Bélgica. Para ganhar o selinho de OK, o condutor do veículo teria de provar que o sistema de som do carro só executa Ray Coniff, Glenn Miller e similares.


Estou tendo esses devaneios (será?) depois que soube que um casal de amigos meus teve a moto reprovada na inspeção veicular 2011 por causa de 0,25 decibel (esse é o singular de decibéis?). Antes de ouvir essa história, eu nem sabia que a Controlar também aferia poluição sonora...e com essa precisão de casas decimais. Deve ter um maestro da filarmônica trabalhando para eles como inspetor com um diapasão na mão. 


Pois meus amigos levaram a motocicleta na concessionária da Honda para pedir uma rigorosa adequação aos padrões rígidos da Cidade de São Paulo. Resposta da Honda: não há o que fazer, o escapamento está perfeito, como sai de fábrica. Então meus amigos levaram esse argumento à Controlar e esperaram, esperaram, esperaram até 15 dias, quase esgotando o prazo para a segunda inspeção a que tinham direito, e nada de uma resposta. Ligaram para a Controlar para pedir uma solução e então foram agendados para uma nova inspeção em um posto diferente da primeira. Aí, passou. 


Possivelmente, nesse outro posto, os inspetores têm ouvidos menos sensíveis. Deve ser onde são aprovados os caminhões de coleta de lixo, as ambulâncias e os helicópteros.


Um outro absurdo que chegou ao meu conhecimento, protagonizado pela Ridicolar, foi o de uma senhora, quando, depois do inspetor solicitar que ela destravasse o capô do veículo, ele simplesmente olhou para o motor e disse: "aquele cabo está fora do lugar" e reprovou o carro, diante de uma tiazinha atônita que, o máximo que entende de cabo é o do guarda-chuva ou da faca da cozinha. A cena foi testemunhada e descrita por um amigo que vinha no carro de trás, que deu sorte e foi aprovado.


Já o meu calvário ainda não acabou e lá se vão dois meses de luta. Primeiro, levei o Jorge (é como um membro da família - tanto é que, para o meu filho de 2 anos, tem o "carro-mamãe", o "carro-vovó", o "carro-vovô" e o Jorge, não tem "carro-papai") ao mecânico no início de outubro e disse: "faça o que precisar para ele passar na inspeção veicular", sem muita preocupação, já que no ano passado, em 2010, ele passou na primeira, sem problema algum.


As pessoas ficam pasmas como um veículo fabricado no Japão em 1995 não tem um único ponto de corrosão na lataria ou embaixo. Eles passam aquele espelhinho embaixo e não tem nada de errado. Existe um fã clube mundial, comunidades no Facebook e no Orkut, e uma página (www.feroza.com.br) com o mapa do Brasil e a localização de todos os proprietários apaixonados desse 4x4 (com reduzida, ar condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos, três ajustes de suspensão, teto solar e teto traseiro removível) no País. Tem fotos de Ferozas na selva da Costa Rica ou da Indonésia, na neve dos Alpes italianos ou dentro d'água nas praias da África do Sul. Ele não enferruja porque o aço do qual foi feito, no Japão, recebeu a adição de zinco na liga.


O Jorge tomando uma "ducha neve" num posto, feliz da vida. É uma judiação a provação que a Ridicolar e o Nunkassabe estão fazendo ele passar.
Aí o mecânico fez lá uma coisa ou outra e apresentou a conta de R$ 245. Paguei a tal da taxa de R$ 61,80 e agendei o dia da inspeção. Fui tranquilo, com orgulho do Jorge. Os inspetores passaram o espelho embaixo procurando ferrugem, nada, colocaram um tapete para ver se pingava óleo, nada, aceleraram, nada, e ligaram a um computador cheio de gráficos e porcentagens. Resultado: reprovado. 


Dos seis quesitos investigados pelo computador, o Jorge reprovou em um: emissão de hidrocarbonetos em marcha lenta. O limite é 700, o Jorge marcou 1.400 em marcha lenta. Se pisasse fundo no acelerador, ele ficava muito abaixo do limite. O inspetor, candidamente, me sugeriu que eu levasse o Jorge a um mecânico (achei o máximo ele não ter sugerido que eu o levasse a uma benzedeira). Foi quando eu mostrei a nota recente do mecânico, só para ele ver que eu tomei minhas precauções, não fui lá de mão abanando. Mas, já estava lascado: tive que voltar ao mecânico, e falei: te vira para resolver o mistério. Ele coçou a cabeça, mexeu daqui, mexeu de lá, trocou cabos de velas e mais não sei o que. A conta: mais R$ 400.


Antes de voltar à Controlar, resolvi conferir numa oficina da Porto Seguro, que tem o computador com o mesmo teste. Fiz uma pré-inspeção veicular lá. Resultado: melhorou, mas ainda não estava bom. A emissão de hidrocarbonetos em marcha lenta baixou para 1.100. O que fazer? Vamos, Jorge, vamos a outro mecânico, uma desconhecido, mas um que já tenha o mesmo teste da Controlar.  


No dia seguinte, o mecânico desconhecido cobra mais R$ 200 e entrega um laudo igual ao da Controlar e ao da máquina da Porto Seguro, com tudo pra lá de bom: emissão de hidrocarbonetos baixou para 355. Maravilha. O resto, continuava bom. Vamos, Jorge, vamos fazer outra inspeção na Controlar.


Lá na Controlar, o mesmo salamaleque de antes: passam o espelhinho por baixo para procurar ferrugem novamente (realmente, em duas semanas pode ter enferrujado, certo?), colocam o tapete para ver se pinga óleo e... os inspetores me chamam para dizer que ele está emitindo uma fumaça azulada e está reprovado. O Jorge não passou sequer no teste do computador para verificar que o defeito apontado anteriormente foi sanado. Arrumaram outro defeito. Um que ninguém viu antes, nem na Descontrolar, nem na Porto Seguro, nem pelos mecânicos, nem na Conchinchina. Pelo menos a fumaça do Jorge é azulada, para contribuir com uma cor que não seja cinza para esta cidade.


Eu reclamei para o inspetor, argumentando que eu levei o Jorge ao mecânico e estava tudo OK, mostrei o laudo. Aí ele, como se fosse um ET, me aconselhou: "seria melhor o próprio mecânico vir passar o carro na inspeção, para ele mesmo ver qual o defeito a ser corrigido". De qual planeta ele saiu? Do planeta Ridicolar? Ele acha que o mecânico de lá da Santa Cecília ou da Aclimação vai fechar as portas da oficina, dispensar os outros clientes, passar o dia no trânsito, para levar o Jorge em um posto da Ridicolar lááááá onde o Judas perdeu as botas? Eu vou pagar o dia de trabalho dele? Quem ensina esse ET a falar abobrinha?


O mesmo carro japonês foi vendido com nomes diferentes dependendo do país: nos EUA ele é conhecido como Rocky, no Europa é Sportrak e na América Latina, Austrália e Nova Zelândia é Feroza.
Estou me sentindo como um peão de um jogo de tabuleiro. Alguém jogou os dados e eu tenho que voltar para a casa um, tudo de novo. Tenho que pagar outra taxa de R$ 61,80 e ir atrás de algum milagre para o Jorge. Talvez eu o leve à Igreja de São Cristóvão. Eu preciso do documento do licenciamento, que já está pago, mas não sai se o Jorge não passar na inspeção. Acho que isso não está Direito.


Esse negócio da inspeção veicular parecia ser uma coisa boa e correta, afinal, eu sou verde. Aplaudi a ideia. No ano passado, fiquei muito orgulhoso do Jorge. Ele levou o selinho do 10 no parabrisa sem problema algum. Mas, como tudo que parece justo no Brasil, acaba infernizando a vida da gente. Lembram da CPMF? Não parecia justo, um dinheiro para melhorar a Saúde? Melhoru a saúde de quem? No início, a ideia parecia boa. Essa Descontrolar é a mesma coisa. Virou um esquema. É só acompanhar as últimas no noticiário. Alguém, alguma hora, iria enxergar. Não se pode enganar a todos todo o tempo.




Culpa do Serra. Never more, Rosé. Ele assinou um documento em cartório que iria cumprir o mandato todo na prefeitura. Não cumpriu o que prometeu. Estrago feito, o Nunkassabe ainda passou na inspeção das urnas e foi reeleito. Existem três explicações para isso, duas empíricas e uma científica: a primeira explicação é o uso da "máquina administrativa" para cavar a reeleição, afinal, funcionário público e suas famílias fazem qualquer coisa para não perder o emprego. A segunda é que o povo se acostuma até com um bode fedorento na sala. Depois de um tempo com ele, se ele for tirado, sentem falta. Chama-se inércia. Agora a explicação científica: síndrome de Estocolmo (as vítimas se apaixonam pelo sequestrador depois de um longo convívio, que não deixa de ser a mesma história do bode no jargão da Psicologia). 


Agora, a Ridicolar quer me extorquir mais dinheiro e (claro) apoia o Nunkassabe (aquele que chamou trabalhadores de "vagabundos" aos berros) na criação de seu novo partido político, com fichas de filiação assinadas pelas mesmas pessoas várias vezes ou pessoas que já morreram ou pessoas que são analfabetas.  Não pode exigir correção quem não pode dar exemplo.


Continue azul, Jorge. Vamos à luta. Você é japonês e não desiste nunca.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

I'm Gay, Marvin Gay

"What's going on?" Um dos meus alunos de inglês apareceu com uma dúvida a respeito do vocabulário da letra da música do Marvin Gaye. "O que está acontecendo?", seria a tradução do título. Ela foi composta em 1970, inspirada no irmão mais velho dele que voltava da guerra no Vietnã, e lançada apenas em 1971, a contragosto da gravadora Motown, que não queria arranhar a imagem de "símbolo sexual" de Marvin com canções políticas e de protesto.


O nome dele mesmo era Marvin Gay Junior e adotou a grafia do nome artístico de Marvin Gaye. Ele foi morto com um tiro pelo próprio pai, em 1984, na véspera do seu aniversário quando completaria 45 anos. Marvin deu de presente, quatro meses antes, o revólver que o matou ao Marvin Gay pai, que foi ministro da igreja Adventista do Sétimo Dia e com quem teve problemas de relacionamento a vida inteira.


Na época em que Marvin Jr. nasceu, em 1939, o sobrenome dele era apenas uma palavra, sinônimo de "happy", "glad", "content" e "joyful", ou seja, feliz. O pai dele, idem. Hoje, a palavra virou definição de orientação sexual, de estilo de vida, de classificação de moda, de tendência de cabelo, de especialização de turismo, de afirmação cultural e até de segmentação de publicações e seções das páginas de conteúdo na internet. Eu abro o UOL no domingo e lá está a seção de ESPORTE, a de ENTRETENIMENTO etc etc e, entre várias outras "GAY". Virou uma editoria. Deve ser um jornalismo especializado. Logo, vai ter essa disciplina nas faculdades de comunicação.


Virou moda ser gay. Todo dia mais alguém "sai do armário" e se declara, como o Zachary Quinto, que fez o "Sylar" na série de TV "Heroes" e reencarnou o "Spock" em "Star Trek". Quem é hétero anda até constrangido, se sentindo deslocado, principalmente no meio artístico e nas redações. Logo logo, vão ter se se firmar, fazer uma passeta do orgulho hétero na avenida Paulista, conseguir um suplemento específico na Folha de S. Paulo e encontrar pacotes turísticos e hotéis que os aceitem.




Já na época dos Trapalhões, os Marvins sofreriam algum constrangimento (ou confusão) ao se apresentarem com o sobrenome. Didi chamava Dedé, Zacarias e Mussum de "rapazes alegres", ou seja, "gays", como forma de deboche. Isso seria "bulling" hoje. Aliás, tudo é. Até o Cebolinha e o Cascão pentelharem a Mônica chamando-a de dentuça e gorducha é "bulling". Parodiando Marvin Gaye, "what's going on?" Que chatice.


Não se pode chamar ninguém de veado mais. Talvez nem os veados, os animais. É politicamente incorreto, é ofensivo, é preconceito. Entre eles, eles podem se chamar de "bicha" que tudo bem, mais ninguém. No Rio Grande do Sul e em Portugal, nos aeroportos, agências bancárias e bilheterias de cinemas, eles continuam "entrando no rabo da bicha" porque lá significa "pegar o final da fila". 


Flagraram um pastor e um veado se beijando dentro do carro!


Eu tenho amigos homossexuais, mas eles não precisam colocar essa condição para serem meus amigos. Eu os aceitaria como amigos mesmo que não fossem. E acho que eu também não preciso ser gay para eles me considerarem amigo. Gay não deveria ser uma categoria de pessoas, mas apenas uma intimidade. Se eu gosto de sexo por cima, por baixo, do lado, na cama, debaixo da cama, no mato, oral, manual, visual ou o escambau, é assunto meu. Acho que não preciso declarar minha opção, escrever na testa, para me apresentar para as pessoas antes de conversar sobre as coisas do mundo, tipo: "olá, prazer, eu gosto de quatro, e você?" Como se todo munto estivesse interessado só nisso, como se fosse isso que qualificasse as pessoas.


Do jeito que a coisa vai, o gay vai ter cota de admissão nas escolas, nas universidades. E isso será uma atitude preconceituosa, como eu acho que é contra os negros (ops, afro-descendentes). É uma maneira de dizer que eles são diferentes, deficientes, precisam de ajuda, requerem abrandamento das regras. O gargalo é sócio-econômico e cultural e não a cor da pele ou o que se faz com o ânus.


Por falar em cotas nas escolas, a educação brasileira também merece um "what's going on". Uma piada sensacional que, embora comprida, resume tudo. Ela me foi enviada pela minha amiga Lucinéia Nucci (e também a foto do pastor e do veado no carro). Olha só que coincidência: ela foi minha vizinha de condomínio durante quatro anos, até julho deste ano, quando eu me mudei de lá, e só este ano nós descobrimo que a irmã dela, Linette, foi minha colega na faculdade de jornalismo lá na Universidade Estadual de Londrina. Mas vamos à piada (que dá vontade de chorar):


A Evolução da Educação:

Antigamente se ensinava e cobrava tabuada, caligrafia, redação, datilografia...
Havia aulas de Educação Física, Moral e Cívica, Práticas Agrícolas, Práticas Industriais e cantava-se o Hino Nacional, hasteando a Bandeira Nacional antes de iniciar as aulas...

... Leiam o relato de uma Professora de Matemática:

Semana passada, comprei um produto que custou R$ 15,80. Dei à balconista R$ 20,00 e peguei na minha bolsa 80 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o que fazer.
Tentei explicar que ela tinha que me dar 5,00 reais de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la.
Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.
Por que estou contando isso?
Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que foi assim:

1. Ensino de matemática em 1950:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda.
Qual é o lucro?

2. Ensino de matemática em 1970:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda ou R$ 80,00. Qual é o lucro?

3. Ensino de matemática em 1980:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1990:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
( )R$ 20,00 ( )R$ 40,00 ( )R$ 60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00

5. Ensino de matemática em 2000:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
O lucro é de R$ 20,00.
Está certo?
( )SIM ( ) NÃO

6. Ensino de matemática em 2009:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
Se você souber ler, coloque um X no R$ 20,00.
( )R$ 20,00 ( )R$ 40,00 ( )R$ 60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00

7. Em 2010 ...:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
Se você souber ler, coloque um X no R$ 20,00.
(Se você é afro descendente, especial, indígena ou de qualquer outra minoria social não precisa responder pois é proibido reprová-los).
( )R$ 20,00 ( )R$ 40,00 ( )R$ 60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00

E se um moleque resolver pichar a sala de aula e a professora fizer com que ele pinte a sala novamente, os pais ficam enfurecidos pois a professora provocou traumas na criança.
Também jamais levante a voz com um aluno, pois isso representa voltar ao passado repressor (Ou pior: O aprendiz de meliante pode estar armado).


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

QUE DROGA!


Faz alguns meses que meu filho de 2 anos de idade apareceu dançando e cantando "reboleicho-cho", adaptando aqui mais ou menos o que a mãe dele e eu ouvimos. Vira e mexe (literalmente) ele ressurge com o reboleicho-cho, obviamente a versão dele para um dos atuais clássicos musicais de gosto duvidoso, para escrever o mínimo. Ficamos intrigados se a escolinha dele, bilingue, no bairro burguês de Higienópolis, em São Paulo, seria a origem de tal conhecimento e técnica coreográfica precoce.

Recentemente, numa tarde de sábado, a empregada foi flagrada na companhia do meu filho, diante do televisor da nossa sala, assistindo ao programa do Raul Gil, no SBT. Enigma decifrado. Durante o programa, além de "Rebolation", meu garoto esteve permeável à "dança do Kuduru", com suas previsíveis consequências. Já estamos esperando ele exibir o kuduru na igreja evangélica onde ocasionalmente frequentamos ou em uma reunião familiar, para um tia com notável formação musical. Que orgulho para os pais. Deveria ser pecado submeter cérebro tão tenro à idiotização.

Minha filha, de 10 anos, também enfrenta a plebe rude na escola dela, tendo que reproduzir os passos dessas "danças" da moda para poder se integrar ao grupo das coleguinhas, já que desconhece detalhes dos capítulos das novelas ou o que passou no Fantástico, para poder ter assunto com as meninas da idade dela. Ela tem de de se esforçar para esconder que ela gosta mesmo é de dinossauros (tem maquetes de todos os tamanhos, livros, coleções de fascículos, tudo comprado com a própria mesada dela por ela) para não parecer (muito) estranha. Recentemente, ela também desenvolveu muita curiosidade e interesse por assuntos como os mistérios dos Maias, Astecas e Incas, o Triângulo das Bermudas, o Triângulo do Dragão e a Área 51. Anda obcecada com as inscrições em Matchu Pitchu e arredores. Nada disso dá para ela engatar um papo na escola. Na escola, ela dança.

A palavra droga costuma se sinônimo de porcaria, coisa que não presta. Mas isso é um ponto de vista. Caso contrário, drogaria seria uma loja onde se vende coisas que não prestam. É outro ponto de vista. Pensam assim os homeopatas.

Mas nesse sentido das farmácias, drogas seriam remédios ou substâncias químicas manipuladas e combinadas para exercerem alguma influência no corpo humano (ou dos animais), geralmente com a intenção de produzir um efeito positivo. Essa última palavra é controversa. Afinal, o que é positivo?

Além dos programas dos sábados à tarde na TV aberta, a empregada é plugada 24 horas (por assim dizer) estações de rádio tais como Nativa FM, Tupi e Gazeta. Muito dinheiro movimenta essa indústria, vamos chamar de indústria do kuduru. Para quem ganha dinheiro com ela, tudo isso é extremamente positivo. E o efeito dessa programação na mente da audiência cativa (como os usuários de droga?) é semelhante ao entorpecimento, não resta dúvida que exercem grande influência no corpo delas, já que o cérebro faz parte do corpo e a mente deve ficar lá, não é? Na minha opinião, essas drogas impedem o raciocínio, deixam o cérebro lerdo. Mas, tudo, para quem gosta, é muito bom. Tudo depende de um ponto de vista. Como dizia minha avó, tem gosto pra tudo. O que seria do verde se todos gostassem só do amarelo?

Os chineses, quando adotaram o comunismo, aboliram a religião. Mao Tse Tung acusava a religião de ser o ópio do povo. O ópio é um alucinógeno, feito a partir das flores da papoula, muito usado pelos ricos de antigamente, para ficarem doidões, para "escaparem da realidade", para darem uma "viajada". O que eu acho que ele quis dizer é que a religião exerce um efeito na mente das pessoas de deixá-las entorpecidas, com a visão limitada, com os sentidos bloqueados. A religião impede o cérebro humano de ver a realidade como ela realmente é. Não deixa de ser verdade. Acontece que, depois de algum tempo, os próprios chineses também se deram conta que o comunismo também não presta e, hoje, estão em cima do muro. Ou seja, a política causa limitação na mente das pessoas e distorce a realidade.


Mas afinal, o que é realidade? Nos Estados Unidos, para se comprar cerveja em um supermercado, em um departamento isolado dentro da loja, com porta de separação, tem que se mostrar por meio de algum comprovante de identidade (já que lá não existe RG) ser maior de 21 anos! Não é possível, nos EUA, uma família, com papai, mamãe, vovô, vovó, titio, titia e crianças, almoçarem domingo juntos em uma churrascaria rodízio com cervejas e caipirinhas na mesa. Restaurantes que servem bebidas alcoólicas, não podem ser frequentados por menores de 21 anos de idade. Restaurantes familiares, praças de alimentação de shopping centers, padarias, só servem sucos, refrigerantes, milk shakes e leite.

Por outro lado, uma forma de comprovar a idade lá nos EUA, é mostrando a carteira de motorista, que pode ser adquirida aos 16 anos. Armas e munição podem ser comprados a partir dos 18. Ou seja, de uma forma ou de outra, com o carro ou com uma metralhadora, a possibilidade de matar pessoas lhe é franqueada pela lei americana bem antes de poder começar a matar a si mesmo, com o consumo de álcool. A realidade é muito relativa.

Teve uma época lá nos EUA, que a fabricação, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram crime. Daria cadeia vender uma dose de Pirassununga ou vodca. Nessa época, chamada de "Lei Seca", subiu muito o índice de violência, corrupção policial, corrupção de políticos e deterioração da sociedade. A gente vê isso nos filmes sobre as gangues de Chicago dos anos 30 do outro século.


E a gente continua a ver a mesma coisa hoje em dia, no Rio de Janeiro, no México e em muitos outros lugares que importaram a babaquice dos americanos, que, parece, não aprenderam com seus erros. Só que agora, ao invés de bebidas alcoólicas, o vilão são as drogas, não aquelas vendidas em drogarias nem as transmitidas pela televisão, rádio, igrejas ou ideologias políticas. O resultado é semelhante: violência, contrabando de armas, formação de gangues, corrupção policial e política. Está provado que o modelo que não deu certo no século passado, continua dando o mesmo resultado neste.

As bebidas alcoólicas, que podem causar danos psíquicos, acidentes automobilísticos, violência doméstica, brigas em jogos e bailes, podem ser adquiridas em qualquer esquina, em qualquer padoca, em qualquer conveniente loja de conveniência de posto de combustíveis. Eu posso ter (e tenho) em casa. Olha aí, admito, sou usuário. E pago impostos para isso.

Os cigarros, que também viciam e causam danos psíquicos e físicos (pulmonares, oculares) aos usuários e quem estiver por perto, são livres para se comprar e vender. Os prejuízos são outros, ao meio ambiente, à saúde, mas não há gangues, a venda deles não gera violência, corrupção.

O que eu quero dizer com isso? Pense. Que droga.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Politicamente incorreto



O novo filme do Super-Homem vem aí, sem a cueca vermelha por cima da calça. Não é que alguém tenha percebido que roupa íntima por cima só funcionou com a Madona por algum tempo, e olha lá. É que pela moral atual, o realce daquela parte do corpo do homem de aço, não pega bem. O klipitoniano sempre usou a cueca vermelha daquele jeito, desde que foi criado lá nos 1930s e nunca foi problema. De repente, em 2011, é muito "cheguei".


Seguindo o mesmo raciocínio, a Globo ressurge com a novela "Mulheres de Areia" (não a primeira, com a Eva Wilma, da Tupi), mas a versão de 1993, com a Glória Pires como protagonista, para passar durante as tardes, na sessão "Vale a Pena Ver De Novo". Mas, tem que refazer a abertura. A abertura de 1993 era uma mulher nua que virava areia, desvirava, virava de novo, ao sabor do vento. Agora, entrou areia: segundo declaração dos responsáveis pela solução na Globo, a moral vigente hoje não suporta aquilo. 


E nem o argumento de que, agora, vai passar no horário da tarde, convence como argumento, já que, em 1993, passava em horário nobre, com todo mundo na sala ou cozinha da família, mamãe, papai, filhinhos, avô, avó, vendo a mulher pelada na areia, sem problema.


Quando é que vão obrigar o Pato Donald, a Margarida, o Tio Patinhas e o Zezinho, o Huguinho e o Luizinho a usarem calças? O Tarzan a usar um short debaixo da tanga? As estátuas da Grécia e de Roma a vestirem sarongues e roupões?


Que mundo é este? Está perdendo a graça.


Já não se pode mais contar piadas de preto, de português, de bicha, de puta, de gordo, de aleijado, de cego, de nada! Virou tudo politicamente incorreto. Piada de político ainda pode, desde que ele não seja preto, bicha, aleijado, gordo, puta, cego ou que ofenda qualquer nacionalidade com a qual o Brasil mantenha relações diplomáticas. Piada de papagaio também pode, valendo as cláusulas anteriores. Onde eu vou enfiar todas aquelas piadas que me contaram durante uns 40 anos?? Tenho que engolir tudo e levar comigo pro caixão?


Não é justo. Podiam atribuir quotas para as piadas, pelo menos. Uma certa porcentagem de piadas de afro-decendentes, de profissionais do entretenimento do sexo masculino, de adeptos da terceira via sexual, de deficientes físicos e de deficientes visuais seriam permitidas, não infringiriam a decência corrente. Não iria matar ninguém, ninguém iria morrer por isso.


Nos maços de cigarro tem fotos de pessoas morrendo de enfisema pulmonar e outras desgraças decorrentes. Eu odeio cigarros e odeio o que os fumantes fazem, emporcalhando o ar e as ruas das cidades com bitucas que jogam displicentemente pelas janelas dos carros ou em qualquer lugar, praças, bueiros, vasos de plantas, onde quiser, como se o mundo inteiro fosse seu lixo. 


No entanto, não tem fotos de pessoas com diabetes ou obesidade mórbida nas embalagens de chocolates e doces, não tem fotos de dentes cariados nos pacotes de açúcar, não tem fotos de pessoas atropeladas nos manuais de utilização dos carros zero-quilômetro, não tem fotos de acidentes de trânsito e crimes passionais nos rótulos das bebidas, não tem fotos de mortos jogados no rio Tietê nos ingressos dos jogos de futebol nos estádios.


Olha quanta coisa omissa! Quanta lei esperando para ser feita pelos nobres congressistas de Brasília. Eles não tem nada pra fazer mesmo. Podem votar que sejam incluídas fotos de bolsos cheios de dinheiro ou famílias passeando de helicóptero público nos formulários do nosso imposto de renda, por exemplo.


É muita hipocrisia!


Só te digo uma coisa: o mundo já foi mais simples. Pobre era pobre e rico era rico. Tinha o honesto e tinha o ladrão. Tinha o comunista e tinha o capitalista. Agora está essa confusão.  Afinal, a China ainda é comunista? Quem está solto é honesto? O Partido Verde (eu votei na Marina) agora faz parte da base parlamentar de apoio ao Governo Dilma e também apóia o prefeito Kassab (culpa do Serra) em São Paulo? É o fim da picada. Também vou tirar minha cueca vermelha. Minha fantasia não serve mais para a moral atual.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

RAYSSA E RAYANNE


Cerca de 1500 anos depois do Brasil ser descoberto pelos portugueses, finalmente o País descobre o mundo. Parecia maldição da letra do hino que rogava a praga "deitado eternamente em berço explêndido". Até que enfim acordou e ficou de pé. 

E o mundo olhou para cá. "Olha como eles têm água! Veja como eles têm floresta e fauna! Eles têm petróleo! Eles têm dinheiro! Estão emprestando para o FMI! O Brasil é o quinto maior CREDOR dos Estados Unidos! Eles compram carros! Compram computadores! São conectados! Vamos vender tudo para eles!"

Menos de 15 anos atrás, o mundo só sabia que o Brasil tinha futebol, carnaval, praias e mulatas de bunda grande, e olhe lá. Muita gente não sabia nem isso. Eu conversei com estrangeiros, fora do Brasil, no final dos anos 70 e 80, que nunca tinham ouvido falar do Brasil, nem sabiam onde o Brasil ficava no globo. 

Quem tinha alguma ideia do Brasil, imaginava isso aqui uma orgia a céu aberto, um bacanal eterno. Tanto é que a mãe de um amigo meu, uma senhora de uns 50 anos, foi atacada sexualmente dentro do elevador do Hotel Sheraton do Cairo, Egito, aonde viajou de férias nos anos 80 do século passado, ao simplesmente responder a pergunta de um homem local: "Brasileira?"

Em Brasília e em outros redutos políticos, não a céu aberto, mas entre quatro paredes, a orgia da corrupção ainda mancha muitos dedos, telefones, mesas, gavetas, automóveis, casas, maletas, contas bancárias e... cuecas. 

Corrupção. O Brasil também é famoso por isso. Hoje, já dá para se importar diretamente, pelo correio, produtos do mundo inteiro, contudo, algumas empresas e vendedores declaram explicitamente que o País ainda está excluso como destinatário. Culpa da nossa má fama de mercadorias extraviadas no passado. 

Passado? OK, diminuiu, mas outro dia vi no noticiário de TV que carteiros de Alagoas, se não me engano, abriam as correspondências e caixas, que deveriam entregar, e furtavam seus conteúdos. Médicos e enfermeiros, de algum lugar, vendiam os remédios que o hospital recebia de graça do governo. Policiais assaltavam caixas automáticas de dinheiro que deveriam proteger. Todo dia tem alguma coisa deste gênero no noticiário da sua cidade, do seu Estado, deste País.

Lá em Brasília e em outras repartições públicas, como prefeituras, câmaras de vereadores e até palácios de governos estaduais e suas secretarias de Estados diversos, a Polícia Federal anda levando multidões de corruptos para a cadeia. Mesmo que temporariamente, já serve. É lá de cima que vem o exemplo. Antes tarde do que mais tarde, alguém tem que mostrar para o nível da rua que fazer coisa errada não é a glória. Bandido não deve ser ídolo.

A presidente Dilma anda demitindo quem não presta ou quem ela não gosta, fazendo uma faxina geral e deixando a casa com o seu jeito. OK. Só tem que calibrar a rigidez ou não vai sobrar quase ninguém além do senador Eduardo Suplicy, aquele santo.


É bom mesmo ir arrumando a casa, botando essa mulherada pra trabalhar e espanar o pó. Em 2014 tem Copa e em 2016 tem Olimpíada. O universo inteiro vai vir pra cá. Falando inglês, espanhol, francês, alemão, japonês, italiano, marciano... 


Hollywood já entrou na nova onda e produziu a animação "Rio", criada, produzida e dirigida por um cineasta brasileiro, o carioca Carlos Saldanha, e a quinta edição da série de filmes "Velozes e Furiosos", com Vin Diesel (que faz aniversário no mesmo dia que eu) e Paul Walker, desta vez com ambientação nas cinematográficas favelas do Rio de Janeiro, as mesmas que abrigaram o Hulk, que trabalhava numa fábrica de refrigerantes. 


Por falar em bebidas, a Brahma e a Antárctica eram rivalíssimas, até cometerem o impensável e se unirem, depois se transferiram para a Bélgica e compraram a tradicionalíssima cervejaria Budwiser dos Estados Unidos. A Embraer abre fábrica na Flórida, para aproveitar a mão-de-obra de engenheiros desempregados da NASA


O Brasil se internacionaliza. Passou por mim, no trânsito de São Paulo, um carro com isto escrito no parabrisa traseiro: "Rayssa e Raynne". Provavelmente os nomes das filhas do motorista, possivelmente o Cleyvison ou Maiconn ou Janwelton. Nunca um Alberto ou Sebastião ou Crisóstomo.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Olha! Uma loja do Spielberg!

Meu amigo Roger Nygard era menino na cidade de Minneapolis, estado de Minnesota, EUA, criado em uma família religiosa, episcopal, que lhe prometia panquecas aos domingos se, primeiro, fosse à igreja. Tempos depois, o pai dele, também chamado Roger Nygard, morreu e o filho ficou se perguntando, afinal, aonde o pai foi.


Recentemente, e depois de amealhar um razoável capital como diretor de cinema e séries de TV em Los Angeles (http://en.wikipedia.org/wiki/Roger_Nygard , http://www.rogernygard.com ), Roger se auto financiou e saiu pelo mundo procurando o pai, quer dizer, Deus, no documentário "The Nature of Existence" (http://thenatureofexistence.com , http://palavraguda.wordpress.com/2011/01/07/a-vida-segundo-roger-nygard/). Ele levou 4 anos para fazer o filme, quando tinha 43 a 47 anos.




No filme, Roger aponta a câmera para o vizinho e faz perguntas incômodas como "o que é a existência", "o que é Deus", "o que há depois da morte" e por aí vai. Insatisfeito, continuou perguntando pelos Estados Unidos afora, para índios, pregadores religiosos, lutadores de luta-livre, pilotos de corrida e muita gente esquisita, até sair do país.


Do outro lado do Atlântico, seguiu perguntando pela Inglaterra, para religiosos, cientistas e druidas celtas. Foi ao Vaticano, depois para Jerusalém, perguntou para árabes e rabinos. Deu um pulinho até a Índia, para entrevistar gurus e mais gente esquisita. Continuou na China, perguntando para comunistas e seguidores de Confúcio. Então, volta para sua casa em Los Angeles (atenção, não leia se não quiser estragar a surpresa) para, no fim, se fartar em comer panquecas.


O filme foi exibido em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema, em 2009, uma das três ocasiões em que estive com o Roger, das quatro em que ele veio à cidade. Na quarta, ele apenas me mandou uma mensagem de texto enigmática para o meu celular (com o chip local que eu o ajudei a adquirir na vinda anterior): "olha, uma loja do Spielberg!" Ele fez uma visita relâmpago a SP para um compromisso profissional e só me deu esse "oi" já do aeroporto, de volta para LA.


Diretor Roger Nygard, produtor Michael Leahy (ao fundo), sonoplasta temporário Louis Robin (contratado aqui, pois o titular, Bill Martel, teve problemas com o passaporte e não conseguiu entrar no Brasil), produtora-executiva e atriz-entrevistadora Denise Crosby e eu, Ralfo Furtado, em junho de 2003, no Campo de Marte, em SP, alugando um helicóptero para uma filmagem aérea da cidade do documentário anterior ("Trekkies 2": http://www.trekkies2.com) do diretor, que foi quando o conheci. 


A frase virou uma espécie de senha entre nós (que agora, precisamos mudar, depois de revelada ao mundo). Em 2009, andando pela mesma esquina das outras duas vezes, a caminho de uma casa de câmbio, Roger pronunciou a mesmíssima frase, pela terceira vez, ao ver a fachada de uma loja de roupas masculinas chamada Spielberg e completou "vou contar pra ele". Eu disse "você sabia que, sempre que passa nesta esquina, fala a mesma coisa?" Ele disse: "sério?". Ele não sabia que estava sendo repetitivo. 


Eu acabo de reassistir ao filme, agora em DVD, que adquiri recentemente diretamente do próprio Roger, depois de me certificar de ser a versão com legendas em português, com a intenção de exibir para os amigos e familiares em breve. É possível adquirir o DVD na Amazon, mas não com legendas em português.


O DVD tem dois discos. Eu ainda não tive tempo de assistir o segundo, com a tonelada de cenas que tiveram que ser cortadas do documentário e o "making of". A experiência do Roger foi riquíssima. Imagine, dar a volta ao mundo com uma câmera na mão, tentando resolver suas inquietações de infância! Sob esse ponto de vista e qualquer outro, o filme é interessantíssimo, impossível de não despertar muitas reflexões, seja você religioso ou ateu. No meu caso, ando um pouco em cima do muro na questão, tanto é que discuti com o Roger o meu ponto de vista (http://www.ussbrazil.com/cosmica), que eu já tinha antes mesmo de ter assistido ao filme: eu acredito em Deus, de um jeito muito particular meu e só.


No caso do Roger, a conclusão a que chegou depois da experiência toda, conforme declarou no meu programa (http://www.vimeo.com/7374645) é que ele se identifica mais com as pessoas que afirmam que ainda estão procurando, que não sabem, do que com as que alegam que já encontraram, que já sabem tudo.


Duas frustrações de Roger foram não conseguir ser recebido nem por Stephen Hawking nem pelo Papa para responderem às suas perguntas inconvenientes do documentário. No caso do segundo, na verdade, o cachê imposto pelos assessores de Sua Santidade estouraria o orçamento do filme. O primeiro, estava muito ocupado com uma breve história do tempo, o big bang e buracos negros.


No final de 2007, Roger me ofereceu um quarto na casa dele, em Los Angeles, para eu passar minha lua-de-mel. Agradeci a incrível gentileza, mas tal qual Hawking e o Papa, declinei de compartilhar minhas intimidades com o cineasta.


Minha então namorada, Isabela, e  eu, agachado e com cara de espanto. Lá no fundo Roger Rabbit, digo, Nygard, rodeado pela mulheres, em 2005, durante a temporada da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O primeiro filme do Roger foi um curta de animação quando ele tinha 7 anos de idade e descobriu a filmadora super 8 do pai em casa. Depois disso, fez outros tantos, tendo os irmãos e amigos como atores. Ele mesmo declara em sua página na internet que "a maioria daquelas primeiras histórias envolviam algum tipo de perseguição, já que é a história mais fácil de contar em um filme mudo". 


Embora não seja mudo, fica evidente que "The Nature of Existence" é o filme que ele faltou fazer na infância, uma perseguição planetária atrás de respostas para suas dúvidas de menino. 


Também em sua página na internet, Roger conta que, já na faculdade (Bacharel em Artes em Comunicação Falada, pela University of Minnesota) a característica de seus filmes era ser tão ridículos quanto possível


Além de "The Nature of Existence", em seus documentários anteriores, "Trekkies" (sobre os fãs de "Jornada nas Estrelas" nos EUA), "Trekkies 2" (sobre os fãs de "Jornada nas Estrelas" no mundo todo) e "Six Days in Roswell" (sobre a febre dos que acreditam em ETs e discos-voadores), fica claro que Roger mantém o mesmo espírito da faculdade. Ele não é nenhum documentarista denuncista como Michael Moore. Em tudo que faz, por mais sério que pareça à primeira impressão, Nygard deixa sua marca registrada do deboche e do sarcasmo. É possível que ele já escolha os temas de propósito.


O estilo irônico também alinhava os episódios das séries que dirigiu (como "The Office" e "The Mind of the Married Man") e seus filmes (um deles, inclusive, "Suckers", ambientado no dia-a-dia de uma agência de venda de automóveis, virou "cult" e é usado em treinamento de vendedores de carros dos Estados Unidos) e lembra um "je ne se quoi" de Robert Altman ("MASH", "Short Cuts", "Nashville"...). Combinaria com a programação do canal a cabo FX, por exemplo..


Nygard e sua fixação com Sérgios (haha): com Serginho Groisman à esquerda e com Serginho Café à direita.
Sarcasmo à parte ou incluído (tem gosto pra tudo), sua obra mais recente, "The Nature of Existence" contém pérolas impagáveis como: “Não duvido de Deus. Duvido dos Seus representantes. Até hoje, Deus não falou comigo. Somente o homem falou comigo, e, como sabemos, ele geralmente engana, mente e é motivado por outras coisas, além do desejo de transmitir a verdade” ou "“A religião é para quem acredita que irá para o inferno. A espiritualidade é para quem já esteve lá” ou ainda “Você faz o bem porque sente prazer ao fazê-lo ou você está com medo de que se não o fizer, será punido. De qualquer forma, é servir a si mesmo”.


Não tem como assistir ao documentário e ficar impassível, não repensar a vida, não rever os valores, não refletir. Nem que seja apenas para discordar de tudo, até das panquecas que o Roger esperou mais de 40 anos para comer, para considerar sua busca concluída, o dever cumprido. Finalmente, cresceu!


Eu avisei o Roger que iria escrever sobre ele faz umas três semanas. Tive a ideia ao discutir com meu amigo e seguidor Adel sobre a minha citação de Deus na postagem anterior, de 3 de julho. Só agora tive um tempinho pra escrever (e também, a ideia amadureceu - quando brota a inspiração pra escrever ou desenhar, preciso de um tempo pra processar antes de botar no "papel". E, quando o assunto é um amigo, a responsabilidade e o cuidado é dobrado). 

Roger me advertiu que usaria o Google pra traduzir e, por isso, eu deveria tomar cuidado com o que escrevesse! Oops!

Ontem, perto da meia-noite, mandei tudo pra ele ler, até a ilustração do coelho. Hoje, às 7h da manhã, já tinha uma resposta, escrita há 7 horas atrás. Roger Rabbit é rapidinho. Ele já traduziu, leu, entendeu, diz que adorou, mas discordou do uso das palavras sarcasmo e deboche para definir o estilo dele, achando-as muito fortes. Ele diz admitir que procura o humor na humanidade em todos os seus projetos, mas com carinho pelos entrevistados. 

Portanto, o que escrevi abaixo da ilustração do coelho foi no dia seguinte. 

Vamos esperar agora a reação dos leitores. Quem sabe, outras pessoas se interessem em adquirir o filme (no site http://thenatureofexistence.com/ pode-se enfatizar diretamente ao Roger a necessidade das legendas em português, ou outra língua, se for o caso - acabo de ver nas estatísticas que meu blog está sendo lido na Alemanha e no Japão, por exemplo) e desempatem a questão do sarcasmo e do deboche.

domingo, 3 de julho de 2011

Não evite a sorte


Esse conselho do título, a meu entender, é a ideia principal de uma das séries de TV mais estranha que eu já vi e, como adoro coisas estranhas, virei fã... e órfão. A série foi cancelada pela Fox na primeira temporada, com apenas 17 episódios, e todo mundo ficou na mão. Ainda hoje, existem, na internet, páginas de discussão, fóruns e blogs a respeito de detalhes estranhos da série, sobre o elenco estranho, o criador muito estranho, em inglês, alemão, francês, o escambal. Menos em português. Não encontro com quem conversar sobre o assunto por aqui. Onde está minha manada?

Quem sabe se eu começar a escrever direito e não desta maneira estranha, sem pé nem cabeça, alguém consiga entender do que eu estou falando e minha turma me encontre. Em fevereiro de 1996, eu tinha acabado de aderir ao mundo da TV a cabo, na esperança de ter opção de entretenimento que fugisse ao massacre do carnaval na TV aberta, já que eu estava confinado à frente da telinha (a internet ainda engatinhava, a Mandic tinha BPS, lembra?) por causa de um pé quebrado. Eu lá, com o pé para cima, no gesso, mudando os meus novos canais pagos, quando me deparei com “Strange Luck” no Sony Entertainment Television.

“Strange Luck” (sorte estranha) me fisgou imediatamente, fiquei viciado, não queria perder um episódio. E foram só 17. Gravei todos em VHS. Mas hoje você pode assistir ou baixar todos do YouTube, divididos em cinco pedaços cada um. O personagem principal é o fotógrafo Chance Harper, interpretado por D. B. Sweeney.


Ele vai todo dia na lanchonete Blue Plate (prato azul) e pede um café para a Angie (a atriz britânica ruiva Frances Fisher, que foi “casada de fato” com Clint Eastwood entre 1989 e 1995 e fez a mãe da personagem de Kate Winslet em “Titanic”, de 1997, do diretor James Cameron. Recentemente, ela foi vista em episódios de “The Mentalist”, “Two and a Half Men” e “Private Practice”.

Chance nunca tem dinheiro para pagar a conta na lanchonete, exceto uma moeda de um dólar (algo raro, moedas de dólar existem só em coleções e ainda valem normalmente, mas custam mais para serem fabricadas do que o dólar de papel, por isso a produção parou faz tempo – eu tenho uma em algum lugar) que usa para raspar bilhetes de loteria. Ele pede uma “raspadinha” ou duas para Angie e pronto, já tem o dinheiro para pagar a conta e ainda deixa para ela o troco. Ela pergunta por que ele acerta uns caraminguás e pára, não continua tentando ganhar mais, e ele responde que “não se deve abusar da sorte”.

A outra mulher da série é a loira Audrey Westin (atriz Pamela Gidley, a Teri Miller de CSI), a “patroa” dele. Ela é a editora de uma publicação que contrata os serviços freelance de Chance como fotógrafo e tem um passado amoroso com ele que, vez ou outra, invade o presente. Ele usa uma câmera fotográfica do tamanho de um bonde e filmes de rolo que guarda na geladeira de seu precário apartamento, no qual um dos cômodos é sua câmara de revelação, com luz vermelha e varais com fotos penduradas para secar, como nos bons tempos, nada das convenientes caixinhas digitais sem mistério de hoje.

Só que, para ele ir cumprir um dos serviços fotográficos encomendados, em seu carro meio tosco e com os filmes e câmera nos bolsos de seu paletó surrado, ele sempre acabava desviando do caminho e se envolvendo com as situações mais bizarras da cidade, no caso, Vancouver, no Canadá, onde a série foi filmada, tal qual uma outra série também da Fox, da mesma época, não sei se vocês vão se lembrar, como era mesmo o nome... uma tal de Arquivo-X. O clima é o mesmo, tudo muito escuro, frio e chuvoso. Estabelecendo inclusive que as duas séries aconteciam no mesmo “universo ficcional”, em um dos episódios, o 11, o irmão de Chance, em uma carta, pede a Chance que procure o agente “Muldur” do FBI em caso de alguma coisa suspeita acontecer com ele.

A terceira mulher da série, a negra (ou deveria escrever afro-descendente?) doutora Richter (Cynthia Martells, que foi a promotora Carter em “Arquivo-X” e, recentemente, a dra. Cynthia Adams, em “Nip/Tuck” - ela era estudante de Direito quando a mãe a convenceu a ser atriz, então ela se tornou aluna de artes dramáticas e seu professor foi Avery Brooks, o Sisko, de “Star Trek: Deep Space 9”) é a psiquiatra designada, no primeiro episódio, para estabelecer se o prisioneiro Chance era maluco ou não.

No episódio 1, Chance pára na lanchonete para tomar seu café com “raspadinha”, a caminho de um trabalho fotográfico, quando repara em uma mulher sentada na lanchonete que está chorando e escrevendo alguma coisa. Ela sai da lanchonete e ele a segue. Ela sobe no topo de um prédio e fica na beiradinha. Ele liga para a polícia, do seu celular ultra-moderno de 1995 do tamanho de um tijolo baiano, avisando sobre a potencial suicida e sobe no prédio também. Para encurtar a história, os dois caem juntos do prédio, direto na rede que os bombeiros já tinham armado lá embaixo e, durante a queda, ele vai fotografando, caindo e tirando foto da moça, que cai na frente dele.

Depois disso, ele pega carona numa viatura de polícia que ia para o mesmo lado aonde ele deveria ter ido fazer o trabalho fotográfico. No meio do trajeto, os policiais páram para ver um carro caído do alto de um viaduto. O ocupante do carro acidentado troca tiros com os dois policiais que levavam Chance. Os dois policiais são baleados e o bandido só não atira em Chance também, porque o carro acidentado explode naquele instante e tira sua atenção. Mas ele foge levando o paletó de Chance com a carteira de documentos e o celular nos bolsos (a partir daí, passa a cometer crimes usando a identidade de Chance Harper e usar o celular para ligar para meio mundo).

Chance se abaixa e pega a arma de um dos policiais do chão no momento em que vários carros de polícia chegam ao local, atraídos pela explosão, e dão voz de prisão a ele, que está com a arma na mão, sem documentos, ao lado de dois policiais baleados. Nesse instante, minha mulher, que forcei outro dia a assistir esse episódio comigo, exclamou: “ele é retardado?” Realmente, quem, mesmo em Vancouver há 16 anos, se envolveria com tudo que vê pelo caminho? É muita babaquice. Até irrita. Você continua assistindo ou com dó ou para ver em que mais ele vai se lascar.

Na delegacia, enquanto é “fichado”, Chance deixa a câmera fotográfica (dela, ele não desgruda) disparando discretamente quando flagra o figurão que ele deveria ter ido fotografar, coincidentemente, também sendo preso e levado a uma cela. Quando os policiais puxam a vida corrida de Chance em um computador que, hoje, parece ser da época dos Flintstones, com textos verdes em tela preta, ficam impressionados com a quantidade de vezes em que ele já foi preso e depois inocentado e solto, tendo ganho até medalhas, uma espécie de super-herói urbano. Aí, ele é levado para a psiquiatra.

Ele conta para a psiquiatra que coisas surpreendentes vivem acontecendo para ele o tempo todo, todo dia. As pessoas perguntam por que essas coisas acontecem para ele, e ele responde que elas não acontecem só para ele, acontecem para todo mundo, ele só não as evita. Se ele vê alguém chorando na sua frente, ao invés de ignorar, como todo mundo faz, ele se envolve. A partir daí, sempre haverá consequências, sejam elas boas ou más.

A psiquiatra o hipnotiza e o faz se lembrar da infância, de quando ele era menininho e se chamava Alex e sobreviveu a um acidente aéreo: o avião caiu e todos a bordo morreram, inclusive seus pais e sua irmã, menos seu irmão Eric (e ele nem lembrava que tinha um irmão antes de ser hipnotizado), que não embarcou. Um dos bombeiros, que atendeu ao desastre na época, adotou o menino e lhe deu novo nome e sobrenome: Chance (chance e também sorte, em inglês) Harper. Quando “volta” da hipnose, Chance sente cheiro de fumaça e força a médica a sair do prédio antes que ele queime em um incêndio. Não vou contar o resto. A partir daí, a psiquiatra vira fã dele e aparece em todos os episódios, aconselhando-o e ajudando-o a recuperar a memória.

O ator D. B. Sweeney (que só agora saciei minha curiosidade de mais esse mistério no Wikipedia: Daniel Bernard) foi visto recentemente nas séries “The Event” e “Jericho”, também apareceu em episódios dos vários “CSIs”, em “House” e em “Hawaii-5-0”.

Usando o velho chavão “a vida imita a arte”, Sweeney personificou uma situação digna de “Strange Luck”: quando dirigia para casa em Vancouver, numa quarta-feira, depois de um dia de filmagens, ele viu um carro escorregar fora de controle para dentro de uma lagoa. Ele imediatamente ligou para 911 do seu celular e o passou para uma mulher que estava por ali ela pedir o resgate, enquanto ele correu para o carro que estava rapidamente submergindo na água. Sweeney encontrou o motorista nadando e o ajudou a sair da lagoa. Quando ele se certificou que o motorista estava bem, ele procurou a mulher para recuperar seu celular e saber se a polícia ou bombeiros estavam vindo. Foi só aí que ele percebeu que a mulher, que estava toda confusa, não falava inglês e não tinha se comunicado com o operador do 911. Por sorte, uma viatura policial estava passando por ali e parou para dar assistência. Sweeney voltou para seu carro e retomou a volta para casa, ao estilo Chance Harper.

Tal como Chance, Sweeney também era um “cara bacana”, como testemunha quem trabalhou com ele: Mitch Kosterman, que interpretou um policial observador de pássaros em dois episídios de “Strange Luck” conta que, em uma cena, Chance estava no alto de uma rocha olhando para baixo. Depois de uma sequência de filmagens dele, a câmera foi virada para o outro lado, para filmar o policial. Aí o diretor disse a Sweeney que ele poderia relaxar, o que significa que ele não era mais necessário e poderia se retirar para o camarim. Mitch suspirou e pensou que iria falar sua parte do roteiro interpretando para a câmera. Para sua surpresa, Sweeney disse: “não, me arrange uma escada”, subiu nela e ficou lá, respondendo suas falas, de diversos ângulos, várias vezes, o tempo todo, ajudando na interpretação do ator coadjuvante.

O criador de “Strange Luck”, Karl Schaefer, também é um caso a parte. Fora o fato de também ter sido o produtor executivo da série “The Dead Zone”, co-produtor da série “Eureka” e produtor consultor de “Ghost Whisperer”, mais nada se sabe do cara! Onde nasceu, onde estudou, vida pessoal, nada! Não tem uma foto dele em lugar nenhum. Já procurei muito. E para quê eu preciso disso? Para saciar minha curiosidade de saber se ele é o mesmo Karl Schaefer que estudou comigo em Downey High School, em 1976, subúrbio de Los Angeles, ali pertinho de Hollywood, quando a gente fazia o jornal da escola, “The Norseman”, eu era o cartunista do jornal e ele era o editor e fotógrafo.

Eu tirei três conclusões disso tudo. Primeira, se você encontrar uma pedra no seu caminho, você tem a escolha de se desviar dela (ou pular) ou pisá-la ou chutá-la. Se você escolher uma das duas últimas opções, haverá consequências, nem você nem a pedra serão os mesmos. Segunda, seja sempre uma boa pessoa, mesmo que pareça retardado. Terceira, ou quem assiste séries de TV não precisa de religião ou Deus fala conosco através de algumas delas.
Aula-Redação do jornal da escola, "The Norseman", da Downey High School (mesma escola onde estudaram Richard e Karen Carpenter, os irmãos da dupla musical "The Carpenters", e de James Hetfield e Ron McGovney, o primeiro, vocalista líder e guitarrista rítmico, e o segundo, baixista da banda de rock "Metallica"), região metropolitana de Los Angeles, Califórnia, EUA, em maio de 1976. Eu estou tirando a foto. Em primeiro plano, em cima da mesa, está minha bolsa aberta. A câmera era uma Kodak, daquelas que o flash era um cubinho acoplado em cima, com disponibilidade para quatro fotos, depois era desgartável. Lá no centro e no alto, do lado da bandeira, com um sapo verde de plástico na cabeça, está o Karl Schaefer, fotógrafo e editor do mensanário.